Bolonha diminuiu pessoal qualificado na Função Pública

Reforma de Bolonha modificou os graus de licenciatura e mestrado, mas para funções no Estado a antiga licenciatura de 5 anos ou a nova de 3 anos é igual. Isto é um obstáculo ao aumento de pessoal qualificado, referiu o Presidente do IST.

Bolonha diminuiu pessoal qualificado na Função Pública
Bolonha diminuiu pessoal qualificado na Função Pública. Foto: Rosa Pinto

Funcionários de diversas Universidades públicas participaram, em Lisboa, no Instituto Superior Técnico (IST), no debate sobre alguns dos desafios que se colocam aos trabalhadores da administração pública e em especial aos das instituições do ensino superior.

No XXII Encontro Nacional da Associação Nacional dos Funcionários das Universidades Portuguesas (ANFUP), Arlindo Oliveira, Presidente do IST, na qualidade de anfitrião do encontro, referiu que as Universidades públicas portuguesas “têm uma qualidade e uma visibilidade excecional face ao investimento que o Estado faz”.

As Universidades portuguesas “ombreiam com as melhores Universidades” europeias, norte americanas e mundiais, “mesmo com orçamentos que são uma pequena fração dos orçamentos das melhores escolas”, esclareceu Arlindo Oliveira.

O Presidente do IST deu dois exemplos: uma escola da dimensão do IST, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, da sigla em inglês), tem um orçamento 30 vezes superior, e na Europa, a Escola Politécnica Federal de Lausana (EPFL), uma das melhores escolas europeias, tem um orçamento que é aproximadamente 15 vezes superior.

A qualidade e a projeção internacional das Universidades portugueses “deve-se à grande dedicação de todas as pessoas que trabalham nas Universidades, sejam professores e investigadores, mas em grande parte aos funcionários de apoio técnico e administrativo”.

Em face das desigualdades orçamentais entre as Universidades públicas portuguesas e as outras Universidades, Arlindo Oliveira indica que a competitividade é mantida porque em Portugal se trabalha mais horas, os salários são mais baixos mas a dedicação é elevada.

Mas o responsável pelo IST considera que há muito a melhorar no sistema universitário português. “Os portugueses são excelentes a improvisar mas não são tão bons a seguir processos, procedimentos, bem definidos e regulares”, o que diminui a eficiência e a eficácia do trabalho.

“Todos devemos fazer um esforço de sistematização das nossas atividades o que passa necessariamente por um grande investimento na qualificação do corpo docente e não docente, e pela formação”. Arlindo Oliveira acrescentou ainda que o IST deveria ter investido mais na formação do pessoal não docente.

“A formação é uma questão importante mas também a qualificação, e é preciso ter a ambição de ter mais pessoas com graus avançados, com licenciaturas, com mestrados, com doutoramentos, com formações específicas a servir a Universidade”.

Estado não reconhece diferença entre licenciatura de 5 anos pré-Bolonha e de 3 anos pós-Bolonha.

Um grande obstáculo ao aumento de pessoal qualificado nas diversas funções tem sido “a reforma de Bolonha, que modificou os graus de licenciatura e mestrado”, e “o sistema nunca foi integrado nas definições do Estado.

“No Estado uma licenciatura de 5 anos antiga ou uma licenciatura de 3 anos nova é igual. O mestrado é ainda reconhecido como um grau adicional, que poucas vezes é requerido para admissões, e o doutoramento nem sequer existe. Nem há carreiras específicas para quem tem o doutoramento, exceto na carreira académica.”

“Se tivesse de definir só um objetivo para a política do Técnico (IST), no que respeita aos recursos humanos e à forma como os gerimos, o que eu gostaria de melhorar era a qualidade de vida, gostava que as pessoas tivessem melhor qualidade de vida”, afirmou o Presidente do IST.

“Todos nós nos devemos bater pela qualidade de vida, não sacrificando a produtividade mas através de uma maior eficiência”, e isto é possível se o comportamento for igual aos trabalhadores do norte da Europa, que “são mais sistemáticos, mais organizados e conseguem perder menos tempo em tarefas frustrantes, conseguem ter melhor planeamento a médio e a longo prazo”.

A formação foi um dos principais temas debatidos no encontro, tendo Luís Santos Castro, Vice-Presidente do CG para os Recursos Humanos do IST, apresentado o modelo de formação ‘observar e apreender’, que está a dar os primeiros passos na Universidade de Lisboa. Um modelo orientado para os docentes, em que uns assistem às aulas dos colegas, e com as observações e debates vão introduzindo melhorias.

Formação com base em MOOC já arrancou no IST.

Para além do modelo ‘observar e apreender’, Luís Santos Castro referiu que no IST estão a ser estudados e a ser implementados cursos via Internet, cursos abertos online que se designam genericamente por MOOC, (da sigla em inglês, Massive Open Online Course), cursos “que valerá a pena explorar”.

No Técnico os MOOC estão agora a aparecer depois de ter sido avaliada a sua necessidade. Esta formação tem a vantagem de apresentar menor custo, menor tempo despendido e não exigir deslocação dos formandos.

Outro dos sistemas de formação, também associado aos MOOC, é o sistema Blended Learning ou B-Learning, que pode ser “mais eficaz que os MOOC”. Com o B-Learning podemos usar todas as ferramentas disponíveis online e “ter a presença, quase indispensável, do professor. Porque o professor pode não ser o responsável pela transmissão de toda a informação, mas ajuda os alunos a ‘pegar’ na informação e a construir conhecimento”.

O quarto modelo de formação, “cuja ideia ainda é embrionária no IST mas que já foi implementada na Reitoria da Universidade de Lisboa”, é um sistema baseado “na formação por colegas da própria instituição”, e para isso “está já a ser criada uma Bolsa Interna de Formadores (BIF)”.

Formação através da observação prática e partilha entre colegas é a preferida.

Este modelo baseado numa BIF consiste em fazer “formação dentro das próprias instituições usando a riqueza do conhecimento dos próprios funcionários”. Para isso é necessário “encontrar um conjunto de voluntários que, de uma forma enquadrada, possam partilhar os seus conhecimentos com os colegas”.

Trabalhadores consideram vantajoso um Erasmus para não estudantes.

Alguns dos participantes no encontro levantaram questões que consideraram importantes, como a dificuldade de acesso à formação externa, nomeadamente através do programa Erasmus, dado que as verbas reservadas para não estudantes e não professores são exíguas. Luís Santos Castro indicou como possível solução o desenvolvimento de um projeto de candidatura a fundos comunitários, para ultrapassar a situação, mas ao mesmo tempo esclareceu que o processo é complexo, demorado e a possibilidade de sucesso baixa.

Os MOOC são uma metodologia em expansão, mas nas Universidades há muitos funcionários com baixas qualificações e com dificuldades em usar estes recursos, pelo que “as metodologias têm de ser diferentes”, referiu uma participante do encontro, e acrescentou que “como indicam alguns ‘teóricos’ estes funcionários necessitam de uma formação cognitiva de base, porque o hábito de abordagem aos assuntos é tão pouco estimulado que primeiro tem de ser estimulada a abstração e a análise”, e esta é “uma população que não pode ser esquecida”.

No caso dos trabalhadores dos departamentos técnicos, como os de mecânica, os técnicos deveriam ser integrados nas visitas dos estudantes e professores a empresas da especialidade, para desta forma poderem acompanhar a evolução das técnicas usadas no mercado empresarial, indicou um participante. A proposta colheu o apoio do Vice-Presidente do CG do IST, que referiu que “é uma boa ideia e que os trabalhadores devem ser pró-ativos e não esperarem só pela ação das direções das instituições”.

Modelo jurídico da ADSE é uma preocupação dos funcionários.

Outro dos temas abordados no Encontro Nacional da ANFUP foi a reforma do modelo de organização da ADSE. Pedro Pita Barros, que presidiu à Comissão da Reforma do Modelo da ADSE, apresentou as linhas mestras do estudo, indicando que a Comissão tinha chegado a dois possíveis modelos, um baseado numa associação privada sem fins lucrativos e de utilidade pública e o outro baseado num instituto público de gestão participada com os beneficiários.

Pita Barros referiu que a Comissão considerou que a revisão do modelo institucional, estatutário e financeiro da ADSE tem de ser enquadrado como sendo parte das relações laborais do Estado com os seus trabalhadores, e não como um problema de organização do sistema de saúde português.

Para o presidente da Comissão da Reforma do Modelo da ADSE a discussão da retirada da ADSE do perímetro do Orçamento do Estado não se pode alhear da preocupação desse movimento ser compatível com uma sustentabilidade financeira, a médio e longo prazo, embora não cabendo à Comissão do estudo a definição da futura estratégia da respetiva gestão.

Parece ser “relevante assegurar que esse movimento de saída não implica forçosamente a insustentabilidade financeira da ADSE e o seu desaparecimento em breve”.

Pita Barros esclareceu que a Comissão considerou, com vantagens acrescidas, um modelo jurídico compatível com diferentes formatos jurídicos, um modelo de “pessoa coletiva de direito privado, de tipo associativo, sem fins lucrativos e de utilidade pública administrativa”.