Descoberto funcionamento da enzima que produz hidrogénio

Selénio é fundamental na produção de hidrogénio pelas enzimas, concluiu estudo do ITQB NOVA. Os investigadores consideram possível aplicar o mecanismo da enzima à tecnologia para produzir hidrogénio de forma sustentável e barata.

Inês Cardoso Pereira, Marta C. Marques e Pedro Matias, investigadores do ITQB NOVA
Inês Cardoso Pereira, Marta C. Marques e Pedro Matias, investigadores do ITQB NOVA. Foto: DR

O hidrogénio é considerado uma fonte de energia de elevado potencial, dado que, para além de fornecer “mais energia de combustão do que qualquer outro combustível”, a utilização do hidrogénio “gera apenas vapor de água tornando-o um combustível limpo e sem impacto ambiental”.

Até agora os investigadores e a indústria ainda não resolveram questões técnicas como o transporte e armazenamento do hidrogénio, bem como, a produção, que ainda exige encargos significativos. Questões “que têm dificultado a implementação de uma economia sustentável baseada no hidrogénio”.

Na natureza, o hidrogénio é produzido por hidrogenases, um grupo de enzimas que “promove a reação química mais simples de todas”, ou seja, junta “dois protões e dois eletrões para formar uma molécula de hidrogénio”, que é o “elemento mais pequeno da tabela periódica.”

Para os cientistas a reação química de produção de hidrogénio, que aparentemente é de grande simplicidade é, no entanto, uma reação “extremamente difícil” e requer “o fornecimento de grandes quantidades de energia.”

Investigadores do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB NOVA), da Universidade Nova, de Lisboa, estudaram um grupo especial de enzimas que produz hidrogénio. Estas enzimas têm uma elevada produtividade de hidrogénio e grande tolerância à inativação pelo oxigénio.

Para os investigadores o desafio foi “perceber como as hidrogenases conseguem funcionar em condições suaves e de baixa energia”. Os investigadores consideram que o estudo das enzimas possa vir a ser usado “para produzir hidrogénio a partir de fontes renováveis, como a solar, ou para produzir eletricidade a partir do hidrogénio.”

“As enzimas evoluíram ao longo de milhões de anos para otimizar a sua função e desempenham-na, em geral, muito melhor do que a tecnologia humana. As hidrogenases usam metais baratos para fazer, à temperatura ambiente, o que as células de combustível só conseguem a altas temperaturas e utilizando a platina, um metal muito caro”, indica o ITQB NOVA.

Os investigadores consideram que a descoberta do funcionamento das hidrogenases poderá conduzir a uma adaptação do mecanismo da enzima à tecnologia e assim, ser “possível fazer pilhas de combustível, mais baratas, e consequentemente produzir hidrogénio barato a partir de eletricidade.”

No estudo dos investigadores do ITQB NOVA, que já se encontra publicado na revista ‘Nature Chemical Biology’, é desvendado o papel essencial que o átomo de selénio, no centro ativo da enzima, desempenha na sua atividade.

Inês Cardoso Pereira, autora principal do trabalho juntamente com Pedro Matias, referiu, citada em comunicado do ITQB NOVA, que era conhecido “que o selénio era muito importante para a atividade desta hidrogenase”, mas os investigadores não sabiam “exatamente quanto, nem porquê.”

A investigadora referiu que “para perceber o papel (do selénio) foi usada a engenharia de proteínas para substituir o selénio por um elemento semelhante, o enxofre, e ver o que acontecia”. Os investigadores determinaram “a estrutura molecular deste variante em diferentes condições de exposição ao oxigénio, o que nos permitiu ver quais as mudanças provocadas pela substituição daquele átomo.”

“Tornou-se óbvio que na ausência de selénio os danos causados pelo oxigénio são muito mais severos e irreversíveis”, indicou o cristalógrafo Pedro Matias.

Para Inês Cardoso Pereira a descoberta foi “inesperada e entusiasmante” ao “perceber que sem selénio a enzima não consegue sequer incorporar o níquel de que precisa para funcionar, o que é uma revelação importante para percebermos como se dá a biossíntese desta molécula, partindo de uma sequência de aminoácidos até à sua estrutura final”.

Para chegar a uma conclusão os investigadores tiveram um grande grau de dificuldade, dado que “exigiu a incorporação in vitro do níquel para se poder obter uma enzima funcional”. O obstáculo foi ultrapassado com “a dedicação e trabalho árduo da aluna de doutoramento Marta C. Marques”, reconheceu a investigadora Inês Cardoso Pereira.

A equipa de investigadores do ITQB NOVA trabalha ainda no desenvolvimento de aplicações biocatalíticas desta enzima, em conjunto com colaboradores do Instituto de Catálise CSIC em Madrid (laboratório de Antonio de Lacey).

Os investigadores obtiveram, em 2016, resultados muito promissores do uso da hidrogenase de [NiFeSe] na produção fotocatalítica de hidrogénio e na produção eletroquímica de ATP, tendo os resultados sido publicados em revistas científicas da especialidade.