
O “Lanço da Cruz” já faz parte do Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial (INPCI), uma inscrição pela importância da manifestação enquanto prática religiosa identitária das comunidades transfronteiriças da União de Freguesias de Valença, Cristelo Covo e Arão, concelho de Valença (Portugal), e da freguesia de Sobrada, concelho de Tomiño (Galiza – Espanha).
A inscrição, assinada pelo presidente do Conselho Diretivo do Património Cultural, João Soalheiro, por despacho de 29 de maio de 2025, acaba de vir publicada em Diário da República.
Como descreve o Património Cultural, a festa do “Lanço da Cruz”, ou Troca das Cruzes na designação local, é para a comunidade de Valença a que melhor traduz as relações de irmandade com a vizinha Espanha, refletindo a alegria e a multiculturalidade do Alto Minho. O Lanço da Cruz realiza-se anualmente na segunda-feira a seguir ao Domingo de Páscoa (Pascoela), no Rio Minho e respetivas margens, portuguesa e espanhola.
A manifestação acontece ao entardecer, com o culminar da visita pascal que percorre a freguesia de Cristelo Covo. Após a chegada do Compasso Pascal ao Parque Natural de Nossa Senhora da Cabeça, o pároco de Cristelo Covo juntamente com a Cruz Pascal adornada, a caldeirinha e as pagelas, e os mordomos que acompanharam o Compasso Pascal, entram numa embarcação.
O Património Cultural descreve que ocorre em seguida um passeio fluvial até ao encontro do barco espanhol, que faz o percurso contrário com o pároco de Sobrada e respetiva comitiva. Durante o trajeto, as embarcações dos párocos são acompanhadas por barcos que transportam os gaiteiros em representação da margem espanhola, e bombos em representação da margem lusa. Populares de ambos os países participam também nesta travessia do rio, com barcos.
Quando chegam ao centro do rio Minho, o Património Cultural indica que o padre português benze as redes, as embarcações e o próprio rio. Uma bênção que assegura um ano de boa pescaria e sem nenhuma morte. De seguida, o pescador que leva as redes benzidas procede ao seu lanço, iniciando a pescaria que reverte para pagamento de um folar ao pároco português.
Após o ato religioso, o padre português encontra-se com o padre espanhol e trocam as cruzes: a Cruz espanhola é dada a beijar na embarcação portuguesa, e a Cruz portuguesa que é dada a beijar à comitiva espanhola. Esta Troca das Cruzes, um dos mais significativos momentos de toda a festividade, é celebrada com abraços e gritos de alegria.
A embarcação espanhola ruma para o parque da Senhora da Cabeça e à chegada é acompanhada pelo grupo de gaitas de foles, e o padre espanhol dá a Cruz a beijar aos milhares de fiéis que o aguardam. Entretanto, na Sobrada, o padre português é recebido pela multidão que lhe oferece o “roscón” de Páscoa, doce típico galego. Depois do convívio, padre e comitiva regressam a Portugal. A procissão segue até à Capela de Nossa Senhora da Cabeça, para recolhimento da Cruz e encerramento da festividade religiosa.
Uma festividade onde se destaca a mistura de línguas, sons e ritmos que se experienciam. Um ambiente que se mantém pela noite dentro, animado por gaitas galegas, bombos, castanholas e concertinas, que transformam esta manifestação numa romaria galaico-minhota.
“A classificação desta festividade como Património Cultural Imaterial de Portugal é motivo de imenso orgulho para Valença e representa uma responsabilidade acrescida na preservação e valorização deste símbolo maior da nossa identidade raiana, partilhada com Tomiño, com o Minho e a Galiza, com Portugal e Espanha”, referiu o Presidente da Câmara Municipal de Valença, José Manuel Carpinteira, citado em comunicado da autarquia.
A organização do Lanço da Cruz cabe à Comissão Fabriqueira de Cristelo Covo, à Associación Cultural Lanzo da Cruz, ao Pároco de Cristelo Covo e ao Pároco de Sobrada. Numa articulação de ações que tem em consideração os sócios da Associação de Pescadores da Ribeira Minho, sediada na freguesia vizinha de São Pedro da Torre (concelho de Valença), que conta com 120 sócios e 63 embarcações (todos os pescadores de Monção a Lanhelas) que conta com todos os pescadores de Cristelo Covo.
Sobre a inscrição no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, o Património Cultural esclareceu que a proposta foi apresentada pelo Núcleo Museológico de Valença, sob tutela da Câmara Municipal de Valença, tendo por base o trabalho de investigação e documentação coordenado pelas técnicas Isilda Salvador e Brigite Pereira, com a colaboração da mestranda em Património Cultural, Patrícia Correia, e colaboração de várias entidades e personalidades da União de Freguesias de Arão, Cristelo Covo e Valença, da paróquia de Cristelo Covo, dos vários elementos da Comissão Fabriqueira de Cristelo Covo, da Associação de Pescadores da Ribeira Minho, bem como de entidades do concelho galego de Sobrada, como a Associación Cultural Lanzo da Cruz e a historiadora Natália Jorge Pereira, entre outras.