Pandemia agrava a vulnerabilidade dos mais pobres

A pandemia teve implicações no acesso à saúde, educação, mercado de trabalho, poupança, consumo e endividamento, conclui estudo elaborado pela Nova SBE Economics. Os pobres foram os mais atingidos a todos os níveis desde o laboral, saúde, habitação até à educação.

Pandemia agrava a vulnerabilidade dos mais pobres
Pandemia agrava a vulnerabilidade dos mais pobres. Foto: © Rosa Pinto

A Nova SBE, a Fundação “la Caixa” e o BPI deram a conhecer o relatório “Portugal, Balanço Social 2020 – Um retrato do país e dos efeitos da pandemia”. O estudo foi realizado por Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Mariana Esteves, do Nova SBE Economics for Policy Knowledge Center, no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, um programa plurianual estabelecido entre duas instituições.

Comunicado das instituições responsáveis pelo estudo indica que o relatório vai ser editado anualmente, com o objetivo de traçar um retrato socioeconómico das famílias portuguesas e, fornecer uma base de informação transversal sobre a situação social no país.

O relatório descreve a pobreza em relação ao rendimento, mas aborda também as diferenças na situação laboral, acesso à educação e saúde, condições de habitação e participação social e política. Menciona ainda a persistência da pobreza, as diferenças regionais, a desigualdade na distribuição do rendimento, o impacto das políticas públicas na mitigação da pobreza e as perceções e atitudes da população face ao Estado Social.

A crise pandémica, também em foco neste estudo, mudou os termos do debate sobre a pobreza e a exclusão social. O relatório reúne diversas fontes de dados para avaliar o impacto da crise pandémica na saúde, educação, mercado de trabalho, poupança, consumo e endividamento.

CARACTERIZAÇÃO DA POBREZA NA ÚLTIMA DÉCADA

A taxa de pobreza e de pobreza extrema, depois de transferências sociais, eram, em 2019, de 17,2% e 8,5%, respetivamente. A proporção de pessoas em situação de pobreza, antes de transferências sociais (pensões de invalidez e reforma, subsídio de desemprego ou abono de família), era de 43,4%. No mesmo ano, 12,5% da população encontrava-se em situação de pobreza persistente e 28,7% da população pobre vivia em agregados com menos de 45% de intensidade laboral, o que compara com uma taxa de 9,4% para a população total.

Em relação à privação material, ainda que menor, em 2019, 15,1% das pessoas ainda tinha problemas em lidar com despesas inesperadas ou conseguir manter a casa adequadamente aquecida.

As famílias pobres são as que enfrentam maiores dificuldades no acesso ao mercado de trabalho, à educação superior e à saúde (24,1% dos pobres consideram a sua saúde como má ou muito má) e as que vivem em piores condições habitacionais (26% em privação habitacional severa) e que menos participam em atividades político/sociais (60%). Os desempregados são o grupo com maior taxa de pobreza em 2019 (42%).

No que diz respeito às assimetrias regionais, o relatório refere que a taxa de pobreza é maior nas Regiões Autónomas dos Açores (31,8%) e da Madeira (27,8%). No continente, o Algarve (18,8%) e o Norte (18,3%) são as regiões mais afetadas. Lisboa e Porto têm maior desigualdade na repartição dos rendimentos.

As crianças são um dos grupos da população mais vulnerável à pobreza e exclusão social. Em 2019, a taxa de pobreza das crianças era 18,5%, valor superior ao da população total (17,2%). A pobreza atinge 33,9% das famílias monoparentais, o tipo de agregado com maior taxa de pobreza.

IMPACTO DA PANDEMIA NA SITUAÇÃO SOCIO-ECONÓMICA

No capítulo dedicado aos impactos da pandemia de covid-19 o relatório analisa a primeira vaga da pandemia (março a setembro de 2020) e conclui que a pandemia em Portugal teve implicações no acesso à saúde, educação, mercado de trabalho, poupança, consumo e endividamento.

A pandemia condicionou o acesso aos cuidados de saúde: só no mês de abril foram canceladas 135,8 milhares de cirurgias e 1,22 milhões de consultas. Inquéritos realizados entre março e junho de 2020 mostram questão os mais pobres que reportavam ter um risco de infeção mais elevado. Outro inquérito sugere que a pandemia afetou particularmente a saúde mental dos mais pobres, dos menos escolarizados e dos desempregados.

As medidas de confinamento acentuaram desigualdades a nível laboral. Setores como os da informação, comunicação e financeiro puderam continuar em teletrabalho, recorrendo menos ao layoff. Os trabalhadores do alojamento turístico, restauração, artes e desporto, em layoff quase total, enfrentaram uma maior perda de rendimento. O número de inscritos nos centros de emprego começou a aumentar mais em abril. Em setembro de 2020, havia mais 106 mil que no mesmo período de 2019. O aumento foi mais expressivo entre os mais jovens (até aos 25 anos) e com escolaridade até ao 12º ano, com as mulheres a configurarem a maioria dos registos.

Embora a poupança tenha aumentado no 2º trimestre de 2020, verificou-se um aumento do nível de endividamento nos meses de confinamento, que diminuiu nos meses seguintes, mantendo-se relativamente estável, graças às garantias do Estado e à moratória pública dos créditos bancários das famílias e empresas. Ao mesmo tempo, observou-se um aumento de 11 mil beneficiários do rendimento social de inserção, entre janeiro e setembro de 2020.

A crise pandémica teve também importantes efeitos na educação. Os alunos de famílias mais pobres estiveram potencialmente mais vulneráveis com a substituição das aulas presenciais pelo ensino a distância, devido às limitações no acesso a meios – como computador e internet – para acompanhamento das aulas online. No ano letivo 2017/2018, apenas 62% dos alunos com apoio social escolar, tinham acesso a um computador e 52% acesso à internet.

Os grandes agregados macroeconómicos refletem o impacto sem precedentes da pandemia na economia Portuguesa. No 2º trimestre de 2020 a contração do PIB foi de 16,3% em termos homólogos e o défice aumentou para 1,9%. A dívida pública aumentou para 130% do PIB no 3º trimestre.