Google multada em 2,42 mil milhões de euros pela Comissão Europeia

Comissão Europeia aplicou hoje, 27 de junho, multa à Google devido a vantagem ilegal ao próprio serviço de comparação de preços. A Google tem 90 dias para resolver, caso contrário a sanção pode ir até 5% do volume mundial dos negócios.

Google viola leis antitrust da União Europeia
Google viola leis antitrust da União Europeia. © UE

A Comissão Europeia (CE) multou a Google em 2,42 mil milhões de euros por violação das regras antitrust da União Europeia (UE). A CE indicou hoje, 27 de junho, que a Google abusou da sua posição dominante no mercado de motor de busca, conferindo uma vantagem ilegal a outro produto Google, o seu próprio serviço de comparação de preços.

A CE refere que “a Google tem de pôr termo a esta prática no prazo de 90 dias ou incorre em sanções pecuniárias que podem ir até 5% do volume de negócios médio diário a nível mundial da Alphabet, a empresa-mãe da Google.”

Margrethe Vestager, comissária, responsável pela política da concorrência, afirmou: “A Google tem criado muitos produtos e serviços inovadores que mudaram as nossas vidas, o que é uma boa coisa! Porém, a estratégia da Google para o seu serviço de comparação de preços não era apenas a de atrair clientes tornando o seu produto melhor do que o dos seus concorrentes. Em vez disso, a Google abusou da sua posição dominante no mercado na vertente de motor de busca, promovendo o seu próprio serviço de comparação de preços nos seus resultados de pesquisa e despromovendo os dos concorrentes.”

A comissária acrescentou que “o que a Google tem feito é ilegal ao abrigo das regras antitrust da UE. Negou a outras empresas a possibilidade de competir com base nos seus méritos e de inovar. Mais importante ainda, negou aos consumidores europeus uma escolha genuína de serviços e a possibilidade de tirar pleno partido dos benefícios da inovação.”

Estratégia da Google para o seu serviço de comparação de preços

Em comunicado a CE esclarece que “o produto emblemático da Google é o seu motor de busca, que fornece resultados de pesquisa aos consumidores, que pagam por esse serviço com os seus dados. Quase 90% das receitas da Google provêm de anúncios, como aqueles que mostra aos consumidores em resposta a uma pesquisa.”

A Google entrou no mercado distinto dos serviços de comparação de preços na Europa, em 2004, com um produto inicialmente designado ‘Froogle’, e em 2008 rebatizado para ‘Google Product Search’, e que desde 2013 passou a ser conhecido por ‘Google Shopping’.

O serviço ‘Google Shopping’ permite aos consumidores comparar produtos e preços em online de diversos retalhistas que comercializam ou indicam os preços de variados tipos de produtos, incluindo também lojas online dos fabricantes, plataformas como a Amazon e a Ebay, e muitos outros revendedores.

Antes da Google entrar no mercado de serviços de comparação de preços com o ‘Froogle’, já operavam nestes serviços outras empresas, e a Google tinha conhecimento que o desempenho do ‘Froogle’ era relativamente fraco, como consta no documento interno da empresa de 2006 que declarou que o ‘Froogle simply doesn’t work’, ou seja, o ‘Froogle simplesmente não funciona’.

É conhecido que os serviços de comparação de preços para serem competitivos dependem em grande medida do tráfego, ou seja, mais tráfego implica mais visualizações (cliques) para gerar receitas. Além disso, o aumento do tráfego também atrai cada vez mais retalhistas que desejam listar os seus produtos com um serviço de comparação de preços. Tendo em conta o domínio da Google nas buscas na Internet, o seu motor de busca é uma fonte importante de tráfego para os serviços de comparação de preços.

A Google passou a partir de 2008 a aplicar nos mercados europeus uma mudança fundamental na sua estratégia para promover o seu serviço de comparação de preços, que assentou na posição dominante da Google nas buscas gerais na Internet, e não numa concorrência baseada no mérito na comparação de mercados, indica a CE:

  • A Google tem posto sistematicamente em destaque o seu próprio serviço de comparação de preços: sempre que um consumidor faz uma pesquisa no motor de busca Google em relação à qual o serviço de comparação de preços da Google pretende mostrar resultados, estes são apresentados no topo ou perto do topo das páginas de resultados de pesquisa.
  • A Google tem despromovido os serviços de comparação de preços das empresas concorrentes nas suas páginas de resultados de pesquisa: os serviços de comparação de preços das empresas concorrentes aparecem nas páginas de resultados de pesquisa da Google com base em algoritmos de pesquisa genéricos da Google.

A Google incluiu uma série de critérios nesses algoritmos, por via dos quais os serviços concorrentes de comparação de preços são relegados para posições inferiores.

A CE considera provado que mesmo o serviço concorrente com melhor classificação só aparece, em média, na quarta página de resultados de pesquisa da Google e outros aparecem em posição de ainda menor visibilidade. O serviço de comparação de preços da Google não está sujeito aos algoritmos de pesquisa genéricos da Google que preveem essas despromoções.

Em resultado, o serviço de comparação de preços da Google é muito mais visível para os consumidores nos resultados de pesquisa da Google, ao passo que aos serviços concorrentes de comparação de preços é dada muito menor visibilidade.

Está também provado que os consumidores clicam muito mais frequentemente nos resultados que são mais visíveis, ou seja, nos resultados que aparecem nos primeiros lugares nas páginas de resultados de pesquisa da Google.

Num computador de secretária, os dez primeiros resultados de pesquisa geral que aparecem na primeira página obtêm geralmente, no seu conjunto, cerca de 95 % das visualizações nos resultados de pesquisa geral, com o primeiro resultado da página a obter cerca de 35 % do total das visualizações.

O primeiro resultado da segunda página de resultados de pesquisa geral da Google colhe apenas cerca de 1 % das visualizações. Esta discrepância não pode ser explicada só pelo facto de o primeiro resultado ser mais relevante, porque também está comprovado que, deslocando o primeiro resultado para o terceiro nível da classificação o número de visualizações sofre uma redução de cerca de 50 %. Os efeitos nos dispositivos móveis são ainda mais pronunciados, dada a muito menor dimensão do ecrã.

Isto significa que, ao dar destaque apenas ao seu próprio serviço de comparação de preços e relegando os dos concorrentes, a Google deu ao seu próprio serviço de comparação de preços uma vantagem considerável sobre os concorrentes.

Violação das regras antitrust da UE

A prática da Google configura um abuso de posição dominante desta empresa nas pesquisas gerais na Internet, por asfixiar a concorrência nos mercados de comparação de preços.

A CE indica que uma posição dominante no mercado não é, em si mesma, ilegal ao abrigo das regras anti-trust da UE. No entanto, as empresas que detêm uma posição dominante têm a especial responsabilidade de não abusar da sua forte posição de mercado, restringindo a concorrência tanto no mercado onde são dominantes como em mercados separados.

  • A decisão de hoje da CE conclui que a Google desfruta de uma posição dominante nos mercados de serviços de pesquisa na Internet em todo o Espaço Económico Europeu (EEE), isto é, nos 31 países do EEE. A Comissão entende que a Google tem desfrutado de uma posição dominante nos mercados de pesquisa gerais na Internet em todos os países do EEE desde 2008, com exceção da República Checa, país em relação ao qual a decisão estabelece uma posição dominante desde 2011. Esta avaliação baseia-se no facto de o motor de busca da Google ter detido quotas de mercado muito elevadas em todos os países do EEE, superiores a 90 % na maioria deles.
  • A Google tem mantido um posição dominante de forma continuada desde pelo menos 2008, que é o período investigado pela Comissão. Existem também barreiras muito altas para a entrada nesses mercados, em parte devido aos efeitos de rede: quanto mais consumidores usarem o motor de busca, mais atrativo este se torna para os anunciantes. Os lucros gerados podem então ser utilizados para atrair ainda mais consumidores. Do mesmo modo, os dados que um motor de busca recolhe sobre os consumidores podem, por sua vez, ser utilizados para melhorar os resultados.
  • A Google abusou desta posição dominante no mercado ao dar ao seu próprio serviço de comparação de preços uma vantagem ilegal. Deu uma posição de destaque nos seus resultados de pesquisa ao seu serviço de comparação de preços, com isso relegando os serviços concorrentes. Asfixiou a concorrência em matéria de mérito no mercado de comparação de preços.
  • A Google introduziu a prática de abuso dominante em todos os 13 países do EEE em que lançou o seu serviço de comparação de preços, com início em janeiro de 2008, na Alemanha e no Reino Unido. Ulteriormente, alargou esta prática à França, em outubro de 2010, à Itália, aos Países Baixos e à Espanha, em maio de 2011, à República Checa em fevereiro de 2013, à Áustria, à Bélgica, à Dinamarca, à Noruega, à Polónia e à Suécia em novembro de 2013.

O efeito das práticas ilegais da Google

As práticas ilegais da Google tiveram um impacto significativo na concorrência entre o serviço de comparação de preços da própria Google e os serviços concorrentes. Permitiram que o serviço de comparação de preços da Google obtivesse ganhos substanciais de tráfego à custa dos seus concorrentes e em prejuízo dos consumidores europeus.

Tendo em conta a posição dominante da Google nos serviços de pesquisa geral na Internet, o seu motor de busca revela-se como uma fonte importante de tráfego. Em resultado das práticas ilegais da Google, o tráfego para o seu serviço de comparação de preços aumentou significativamente, enquanto os seus concorrentes sofreram perdas muito importantes de tráfego numa perspetiva duradoura.

  • Desde o início de cada abuso, o serviço de comparação de preços da Google aumentou o seu volume de tráfego 45 vezes no Reino Unido, e 35 vezes no Alemanha, 19 vezes na França, 29 vezes nos Países Baixos, 17 vezes na Espanha e 14 vezes na Itália.
  • Em contrapartida, devido às despromoções praticadas pela Google, o tráfego para serviços concorrentes de comparação de preços diminuiu significativamente. Por exemplo, a Comissão detetou provas concretas de baixas súbitas do tráfego para certos sítios Web concorrentes de 85 % no Reino Unido, de 92 % na Alemanha e de 80 % na França. Estas quebras súbitas também não poderão ser explicadas por outros fatores. Alguns concorrentes adaptaram-se e conseguiram recuperar algum do tráfego, mas não a totalidade.

Em combinação com as outras constatações da Comissão, esta situação demonstra que as práticas da Google asfixiaram a concorrência em matéria de mérito nos mercados de comparação de preços, privando os consumidores europeus de uma genuína possibilidade de escolha e de inovação.

Provas recolhidas

Para chegar a essa decisão, a Comissão recolheu e analisou exaustivamente um vasto leque de elementos, em que se inclui:

1) documentos recentes tanto da Google como de outros operadores no mercado;

2) grandes quantidades de dados reais, incluindo 5,2 terabytes de resultados de pesquisa da Google (cerca de 1 700 milhões de pesquisas);

3) experiências e inquéritos, que analisam em especial o impacto da visibilidade nos resultados das pesquisas sobre o comportamento do consumidor e as taxas de visualização;

4) dados financeiros e sobre o tráfego, que descrevem a importância comercial da visibilidade nos resultados de pesquisa da Google e as consequências de aparecer numa posição com menos destaque; e

5) uma investigação extensiva do mercado com incidência nos clientes e nos concorrentes nos mercados em questão (a Comissão enviou questionários a várias centenas de empresas).

Consequências da decisão

A multa da Comissão de 2 424 495 000 de euros tem em conta a duração e a gravidade da infração. Em conformidade com as Orientações da Comissão em matéria de coimas de 2006, a coima foi calculada com base no valor das receitas da Google com o seu serviço de comparação de preços nos 13 países do EEE em causa.

A decisão da Comissão exige que a Google ponha termo à sua conduta ilegal no prazo de 90 dias a contar da data da decisão e que se abstenha de tomar qualquer medida que tenha o mesmo objeto ou efeito, ou equivalente. Concretamente, a decisão ordena à Google que respeite o simples princípio de dar tratamento igual aos serviços de comparação concorrentes de preços e ao seu próprio serviço:

A Google tem de aplicar os mesmos procedimentos e métodos para posicionar e mostrar no ecrã os serviços concorrentes de comparação de preços nas páginas Google de resultados de pesquisa que aplica para o seu próprio serviço de comparação de preços.

É da exclusiva responsabilidade da Google garantir o cumprimento, cabendo-lhe também explicar como o tenciona fazer. Independentemente da opção que a Google escolher, a Comissão irá acompanhar de perto o cumprimento da Google, estando esta obrigada a manter a Comissão informada das suas ações (pela primeira vez no prazo de 60 dias a contar da data da decisão, e depois com relatórios periódicos).

Se a Google não der cumprimento à decisão da Comissão, terá de pagar, por incumprimento, um agravamento da multa que pode ir até 5 % do seu volume de negócios médio diário a nível mundial da Alphabet, a empresa-mãe da Google. A Comissão terá de determinar tal incumprimento numa decisão separada, tendo os eventuais pagamentos efeitos retroativos a partir da data de início do incumprimento.

Por último, a Google é também passível de enfrentar ações cíveis de indemnização que possam ser intentadas nos tribunais dos Estados-Membros por qualquer pessoa ou empresa afetada pelo seu comportamento anticoncorrencial. A nova diretiva da UE relativa a ações de indemnização em processos anti-trusttorna mais fácil para as vítimas de práticas anticoncorrenciais obter uma indemnização.