Bullying e perceções de inferioridade levam a problemas alimentares

Estudo de investigadores da Universidade de Coimbra e da Universidade de Leeds, no Reino Unido, revela que há relação entre experiências de bullying na adolescência, perceções de inferioridade e problemas com a alimentação.

Cristiana Duarte, investigadora da Universidade de Coimbra. Foto: DR

Experiências de bullying na adolescência e perceções de inferioridade poderão estar na base de uma relação conflituosa com a alimentação e com a imagem corporal. Uma condição que pode levar à obesidade e a patologias associadas como .

As conclusões são de um estudo que envolveu investigadores da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e da Faculdade de Medicina e Saúde da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e de que resultou na tese de doutoramento de Cristiana Duarte, investigadora principal do estudo.

A investigação integrou diversas abordagens sobre os problemas de comportamento alimentar, e envolveu 609 adolescentes do sexo feminino, 5.475 mulheres adultas e 335 homens, entre 2013 e 2017.

Durante três anos os investigadores acompanharam 609 adolescentes do sexo feminino de escolas rurais e urbanas da Região Centro do país, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, para perceber quais os fatores de risco para o desenvolvimento de problemas de comportamento alimentar na adolescência.

Os investigadores concluíram “que adolescentes que passaram por experiências de bullying tendem a desenvolver sentimentos de vergonha em relação à sua imagem corporal e a iniciar comportamentos desregulados com a comida.”

Cristiana Duarte explica, citada em comunicado da UC, que o bullying está na base de “uma relação complicada com a ingestão de comida. Quando as adolescentes atribuem ao corpo a razão pela qual são vítimas de bullying podem começar a adotar comportamentos alimentares desregulados, como forma de corrigir aquilo que percecionam como uma inferioridade”.

A equipa de investigadores procedeu a uma avaliação na população adulta, envolvendo 3125 mulheres e 335 homens da população geral portuguesa com diversos graus em termos de peso, desde magreza, peso normal, a obesidade, e 2.236 mulheres inglesas com excesso de peso e obesidade e 114 mulheres diagnosticadas com Perturbação de Ingestão Alimentar Compulsiva.

As pessoas procederam a uma autoavaliação com base em memórias de experiências negativas da infância e da adolescência, bem como em experiências na idade adulta associadas a vergonha e a dificuldades de regulação emocional e do comportamento alimentar.

Os dados recolhidos permitiu aos investigadores observar que “memórias deste tipo de experiências negativas na infância e adolescência se associam também a vergonha corporal na idade adulta”, refere Cristiana Duarte.

Mas a investigadora refere ainda que a situação agrava-se em mulheres com excesso de peso e obesidade, dado que “a vergonha corporal, o autocriticismo e tentativas de evitamento destes estados internos negativos parecem estar relacionados com uma pior regulação do comportamento alimentar, nomeadamente com sintomas de ingestão alimentar compulsiva, e a dificuldades na perda de peso. Estas dimensões parecem ser também muito importantes na ocorrência de episódios de descontrolo alimentar no sexo masculino”.

Cristiana Duarte conclui também que “estes episódios de ingestão compulsiva são posteriormente seguidos de culpa, vergonha e autocrítica, aumentando a probabilidade de ocorrência de novos episódios de descontrolo, alimentando-se assim um círculo vicioso”.

A equipa de investigadores desenvolveu, com base nos resultados obtidos no estudo, um programa de intervenção psicológica de curta duração, de quatro semanas, focado no desenvolvimento de competências para fomentar uma gestão equilibrada da alimentação.

O programa designado por CARE foi testado num estudo piloto em 20 mulheres com Perturbação de Ingestão Alimentar Compulsiva. No final da intervenção os investigadores concluíram que houve eficácia dado que verificaram “uma redução significativa de sintomas de ingestão alimentar compulsiva e de outros sintomas de comportamentos alimentares perturbados, de dificuldades relacionadas com a imagem corporal, autocriticismo e indicadores de depressão.”

O estudo foi conduzido numa linha de investigação considerada diferenciadora dado que as “dificuldades terem sido analisadas num contínuo de severidade desde adolescentes e mulheres e homens adultos da população geral, até casos onde estas problemáticas adquirem um caráter mais severo, como em pessoas com excesso de peso e obesidade, até doentes com Perturbações do Comportamento Alimentar, esclareceu Cristiana Duarte, que teve como orientadores da tese de doutoramento José Pinto-Gouveia, Professor Catedrático e Coordenador do Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental da UC (CINEICC), e James Stubbs, Professor e Investigador da Faculty of Medicine and Health da Universidade de Leeds.

Para a investigadora os resultados obtidos ao longo do estudo aconselham a “incluir no Sistema Nacional de Saúde abordagens inovadoras que complementem as terapêuticas convencionais de prevenção e tratamento destes problemas de saúde pública”.