Como entender o conflito China – Taiwan

Especialista em ciência política da Universidade dos EUA explica a história da região, por que as recentes visitas políticas dos EUA irritam a China, as questões económicas e a influência do conflito Ucrânia-Rússia.

Como entender o conflito China - Taiwan
Como entender o conflito China - Taiwan. Austin Horng-En Wang. Foto: UNLV

Muitos norte-americanos, tal como cidadãos de outros países seguem as suas rotinas diárias sem pensarem que o seu país possa ser invadido e a sua liberdade possa ser colocada em causa. Mas essa não é a realidade em Taiwan, uma pequena ilha na costa da China continental.

A China e Taiwan estão envolvidos há varias décadas numa batalha de reconhecimento de soberania – uma guerra civil inacabada. E por causa da sua história, cada dia é um jogo de inquietações sobre questões não resolvidas do passado, pelo que é importante manter um equilíbrio delicado para garantir a paz.

Taiwan acredita ser autónoma, mas a China discorda. Assim, qualquer país que esteja do lado de Taiwan criará ondas de choque com uma das maiores economias (e potencia militar) do planeta.

Além disso, as recentes visitas a Taiwan de políticos dos EUA, incluindo a presidente da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, levaram a China a realizar mais exercícios de militares perto da ilha. A China vê todas as visitas que sugerem a independência de Taiwan como um insulto à sua integridade, enquanto Taiwan vê-as como trampolins para p reconhecimento da sua soberania.

“Quando se trata da ameaça militar da China, a maioria dos taiwaneses percebe que a China atacará assim que Taiwan declarar independência”, disse Austin Horng-En Wang, professor de ciência política da Universidade de Nevada, Las Vegas (UNLV) e especialista reconhecido globalmente em política de Taiwan e assuntos asiáticos.

“Atualmente, os EUA e Taiwan não estão motivados para mudar o status quo”, referiu Austin Horng-En Wang. “Até agora, a China e os EUA beneficiam-se, economicamente, de um Estreito de Taiwan pacífico.”

O especialista Austin Horng-En Wang dá resposta a algumas questões sobre as tensões China -Taiwan, o papel dos EUA nessas tensões e a potencial influência da invasão da Ucrânia pela Rússia. Na resposta podemos observar os pensamentos do especialista sobre como o jogo do orgulho, história e turbulência económica recente pode escalar em jogos de guerra para além de um ponto sem retorno.

Como começaram as tensões entre a China e Taiwan?

Durante a dinastia chinesa Qing (1644-1912), Qing montou um governo em Taiwan para evitar rebeliões e cobrar impostos, mas não conseguiu estender totalmente o seu poder administrativo a toda a ilha.

Após a primeira Guerra Sino-Japonesa (1894-1895), o Japão derrotou a Dinastia Qing e os japoneses passaram efetivamente a controlar Taiwan.

A Dinastia Qing seria derrubada durante uma revolução, e a República da China (ROC) foi estabelecida. Então, a China continental foi novamente invadida pelo Japão em 1931 no prelúdio da Segunda Guerra Mundial (a China sofreria cerca de 20 milhões de mortes durante essa ocupação).

Devido à guerra prolongada e à governança ineficaz da República da China, muitos jovens chineses acreditavam que o comunismo e o marxismo eram a resposta para salvar a China. Portanto, organizaram o Partido Comunista Chinês (PCC) e tentaram derrubar o governo da República da China.

Com a rendição do Japão aos EUA no final da Segunda Guerra Mundial em 1945, começou a Guerra Civil Chinesa e o partido comunista ganhou o controlo do continente. O governo da República da China, apoiado pelos EUA, recuou para Taiwan em 1949 e anunciou a lei marcial. Enquanto isso, os comunistas estabeleceram a República Popular da China (RPC) no continente.

Depois de 1949, a RPC nunca desistiu de invadir Taiwan. Foi planeado um ataque em 1950, mas foi interrompido pela vizinha Guerra da Coreia (na qual os EUA e a China entraram em combate direto entre si).

A RPC atacou então as Ilhas Kinmen (controladas pela República da China) em 1958, mas não conseguiu ocupá-las. Ambos os lados estão desde então em cessar-fogo.

Por que a China ainda quer Taiwan?

Por duas razões – uma ideológica e outra prática.

A China sentiu-se humilhada quando foi derrotada pelo Japão em 1895 e chamou a esse período “o século da humilhação”. Desde que Taiwan foi perdida para o Japão em 1895, a China acredita que a unificação de Taiwan com o continente provará o seu rejuvenescimento.

Podemos ver nisso um elemento claro de nacionalismo. No final, a RPC quer provar que o seu tipo de governo é a melhor opção para o povo chinês, mas Taiwan continua servindo como uma opção atípica/alternativa, o que deixa os que controlam a RPC nervosos.

Por outro lado, Taiwan é geograficamente importante para o governo chinês. Taiwan é a maior ilha perto da China e é a porta de entrada para a RPC aceder ao Oceano Pacífico. O porto profundo no leste de Taiwan também permite que o governo chinês estabeleça uma base de submarinos e quebre a cadeia de ilhas dos EUA. Como a maioria das importações e exportações de e para o Japão e a Coreia do Sul precisam de usar o Estreito de Taiwan, a China, ao ganhar o controlo, interromperia a cadeia de fornecimentos dos EUA.

Quais seriam as consequências da posse de Taiwan pela China?

Se a China tomasse posse de Taiwan, na minha opinião seria um golpe para o mundo democrático.

Primeiro, os EUA deixavam de dominar o Oceano Pacífico, enfraquecendo as proteções que oferece aos seus aliados – ou seja, Filipinas, Coreia do Sul, Índia, Japão e Singapura. Como esses países estão entre os hubs mais importantes da cadeia de fornecimentos global, a China dominaria.

Em segundo lugar, a RPC poderia usar a posse (de Taiwan) como prova de que a democracia não é melhor do que o autoritarismo. Após a Segunda Guerra Mundial e após o colapso da URSS em 1991, os países ocidentais sempre acreditaram na ideia de que a democracia e o capitalismo eram a resposta final para a sociedade humana. Esse pensamento incentiva ativistas de todo o mundo a promover a democracia e os direitos humanos.

A RPC, sob o governo de Xi Jinping (2012 ao presente), discorda. Argumenta que os países têm o direito de desenvolver sua economia com base nos seus contextos históricos e geográficos únicos. Por outras palavras, o desenvolvimento económico supera os direitos humanos individuais, e a autoridade governante tem o direito de decidir quanto aos direitos humanos que o governo deve oferecer ao seu povo.

Como está a China a assistir à guerra entre a Rússia e a Ucrânia?

A China provavelmente está a observar a Ucrânia de perto, usando-a para estimar o custo de invadir Taiwan e a probabilidade e escala da intervenção dos EUA em futuros conflitos Taiwan-China. No final, a China está a observar como o mundo responde ao conflito Ucrânia-Rússia.

No entanto, Taiwan e Ucrânia são diferentes. Os EUA têm a Lei de Relações de Taiwan, que define a relação entre eles, mas não existe essa vinculação entre os EUA e a Ucrânia.

O dinheiro também fala. Taiwan é nono maior parceiro comercial dos EUA, com 91 mil milhões de dólares anuais. A Ucrânia é a 67ª, com 4 mil milhões de dólares por ano. E a posse de Taiwan pode mudar o nível de domínio no Oceano Pacífico entre os EUA e a China. Ao mesmo tempo, Rússia e a China também são diferentes. A China é o maior parceiro comercial dos EUA, com cerca de 560 mil milhões de dólares anuais. A Rússia ocupa a 36ª posição, com cerca de 28 mil milhões de dólares em comércio bilateral.

Na pior das hipóteses, Taiwan está preparada para lutar sozinha como a Ucrânia?

De acordo com a 2020 World Value Survey, 57% dos entrevistados ucranianos disseram que estão dispostos a defender o seu país; na mesma pesquisa, 77% dos entrevistados taiwaneses disseram sim.

No entanto, a vontade é influenciada por alguns fatores. Por exemplo, num artigo em que coautora Nadia Eldemerdash da UNLV é mostrado que a vontade de lutar de Taiwan depende da sua perceção das ações de outras pessoas. Enquanto isso, a ajuda dos EUA também influencia a vontade de lutar.

Uma pesquisa recente nos EUA mostra que os seus cidadãos apoiam a ideia de enviar tropas para ajudar a defender Taiwan. O nível de apoio era de cerca de 30% antes de 2016, mas agora atingiu pela primeira vez 52%.

Como a China ameaça Taiwan há décadas, a maioria dos taiwaneses está acostumada a isso. Sempre que a China recomeça os exercícios militares, a maioria dos taiwaneses segue com as suas vidas normalmente. Mas isso não significa que o povo taiwanês não esteja pronto para a guerra.

A política Nancy Pelosi tem sido a visitante política mais proeminente de Taiwan há muito tempo. Visitas como a dela são vistas como uma vitória em Taiwan?

Como Taiwan foi impedida pela China de participar de qualquer organização internacional (mesmo na Organização Mundial da Saúde durante a pandemia do COVID-19), qualquer exposição ou troca internacional é vista como uma vitória aos olhos do povo taiwanês. Uma investigação recente mostra que a maioria dos taiwaneses acredita que a visita de Pelosi beneficia Taiwan.

O que pode acontecer nos próximos anos? A coexistência com ameaça de guerra? Há alguma possibilidade de paz fora do conflito?

Embora a maioria dos taiwaneses se identifique como taiwanês e apoie a independência, eles também desfrutam do benefício económico do status quo. Tanto a China como os EUA estão a desfrutar das recompensas económicas de manter o mundo como está.

No entanto, a probabilidade de guerra pode aumentar se e quando a economia da China declinar, porque a legitimidade do governo comunista depende da sua prosperidade económica.

Portanto, é certamente possível que a RPC possa atacar Taiwan ou ilhas próximas como forma de impulsionar internamente o nacionalismo e recuperar a legitimidade por meio da unificação de Taiwan quando sua economia estiver com problemas. Dado o histórico económico obscuro na China, é difícil prever a probabilidade de guerra nos próximos anos.