Legalização da prostituição em Portugal defendida por estudo da Universidade do Minho

Tese de doutoramento de Jorge Martins Ribeiro, agora publicada em livro, defende legalização da prostituição em Portugal. O investigador defende que atual lei “é ineficaz” e “não protege” quem pratica a prostituição.

Legalização da prostituição em Portugal defendida por estudo da Universidade do Minho
Legalização da prostituição em Portugal defendida por estudo da Universidade do Minho.

Estudo de investigação de Jorge Martins Ribeiro, da Escola de Direito da Universidade do Minho, agora publicado em livro, defende a legalização da prostituição em Portugal e a revisão do Código Penal, nomeadamente no tocante ao crime de lenocínio. O autor da tese de doutoramento defende, no seu estudo, que a atual lei “é ineficaz” e “não protege” quem pratica a prostituição.

A tese, com o titulo “Da lei do desejo ao desejo pela lei – discussão da legalização da prostituição enquanto prestação de serviço na ordem jurídica portuguesa”, foi desenvolvida no âmbito do doutoramento em Ciências Jurídicas da Universidade do Minho e foi agora publicada pela AAFDL.

O trabalho de doutoramento de Jorge Martins Ribeiro cruza as áreas da sociologia, psicologia e medicina, a par do direito constitucional, penal, civil, laboral, fiscal, da segurança social e direitos humanos, e compara o quadro legal de 11 países, bem como avalia leis/recomendações internacionais, como as de agências da ONU, da Organização Mundial da Saúde e da Organização Internacional do Trabalho, sobre o exercício da prostituição, descreve a Universidade do Minho, em comunicado.

A tese apresenta também estatísticas sobre (auxílio à) imigração ilegal, tráfico de pessoas e respetivos fins (trabalho sexual, agrícola, na construção…) por sexo e atividade, entre 2014 e 2019.

“Maioria da população portuguesa a favor da legalização do exercício da prostituição”

“Os dados apontam para a maioria da população portuguesa ser a favor da legalização do exercício da prostituição, impondo-se, também por isso, que o legislador a reconheça como tal, distinguindo-a de práticas de exploração sexual, essas sim criminosas”, indicou o investigador do JusGov – Centro de Investigação em Justiça e Governação da Universidade do Minho, Jorge Martins Ribeiro, citado no comunicado.

O trabalho do investigador mostra a “ineficácia do modelo abolicionista” em vigor no país desde 1983, pois “a prostituição não foi abolida, como nunca o foi, antes prolifera pelas ruas, bermas, casas de alterne, domicílios e em milhares de anúncios diários na internet e na comunicação social”. O uso da publicitação da prostituição aparece como um paradoxo na lei dado que este recurso não tem sido incriminado pelo crime de lenocínio simples, apesar do seu intuito lucrativo ao facilitar a prostituição.

“Há uma hipocrisia a dominar o debate e as proibições visam os mais expostos e vulneráveis”, referiu o investigador do JusGov, e aponta que o legislador parece confundir quem pratica prostituição com quem é vítima de exploração sexual, e como lamenta que o legislador delegue afinal nos exploradores sexuais a organização do trabalho sexual.

Jorge Martins Ribeiro propõe alterações urgentes ao Código Penal, como eliminar a expressão “prostituição infantil” (sendo menores, trata-se de exploração sexual) e uma alteração ao nº 1, do artigo 169º, do Código Penal, sobre o crime de lenocínio simples, que considera inconstitucional (em linha do acórdão 134/2020 do Tribunal Constitucional).

Reduzir a clandestinidade e insegurança

Para o investigador não há um modelo legal perfeito, mas o menos nocivo para quem exerce a prostituição será o regulamentador (vigorou em Portugal até 1963) e, sobretudo, o legalizador, um modelo que “reduz a clandestinidade e insegurança”.

Em comunicado da Universidade do Minho Jorge Martins Ribeiro salienta que, na Europa, os legisladores tendem recentemente para o modelo neoabolicionista, ao criminalizar quem compra a prostituição, para assim a erradicar, a par de combater o tráfico de pessoas e a exploração sexual e infantil e promover a igualdade de género. “A retórica é confusa, mescla imigração irregular e realidades díspares, estando agora documentado o falhanço e perigosidade de tal modelo”.

Jorge Martins Ribeiro realça que a maioria dos que praticam a prostituição discorda do modelo neoabolicionista, já que os estigmatiza, marginaliza e expõe a mais perigos. “Estas pessoas reivindicam respeito na sua escolha profissional, igualdade e direitos sociais, dizem que ‘só os direitos podem parar os erros’”. Mas o investigador reconhece que o fenómeno da prostituição é heterogéneo, embora esteja a deslocar-se “do exterior para o interior e para a reserva da vida privada”. Um fenómeno acelerado pelos meios digitais, o que cria novos desafios à intervenção do Estado.

O livro aborda outros temas considerados de relevo social, como o direito à sexualidade de pessoas idosas, doentes e incapacitadas, muitas delas institucionalizadas, sem privacidade e sujeitas a regras fundamentalistas, não tendo menos direitos sexuais do que, por exemplo, de quem está preso.

O autor lamenta a demora do Infarmed na avaliação custo-benefício das profilaxias pré e pós exposição ao VIH (aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento em 2016 e comercializadas em vários países), que podem reduzir o número de novas infeções.