Medicamentos para refluxo ácido promovem doença hepática crónica

Estudo científico prova que medicamentos para azia, refluxo ácido e gastroesofágico, promovem doença hepática crónica. Os investigadores aconselham em alternativa a perda de peso e a redução de ingestão de álcool, cafeína e alimentos com gordura e picantes.

Doença do refluxo ácido e gastroesofágico
Doença do refluxo ácido e gastroesofágico. Ilustração: CC/BruceBlaus

Em geral cerca de 10% da população toma medicamentos inibidores da bomba de protões (IBP) para bloquear as secreções de ácido estomacal e para aliviar os sintomas frequentes de azia, refluxo ácido e refluxo gastroesofágico. A percentagem de população que toma o medicamento pode ser até sete vezes maior no caso das pessoas com doença hepática crónica.

Investigadores da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, em San Diego, descobriram evidências em ratos e humanos que a supressão do ácido do estômago (ácido gástrico) altera as bactérias intestinais específicas de forma a promover a lesão hepática e a progressão de três tipos de doença hepática crónica.

Bernd Schnabl, professor associado de gastroenterologia na Escola de Medicina da Universidade da Califórnia e autor principal do estudo, já publicado na revista científica ‘Nature Communications’, esclareceu que os “nossos estômagos produzem ácido gástrico para matar micróbios que são ingeridos, pelo que tomar um medicamento para suprimir a secreção do ácido gástrico pode mudar a composição do microbioma intestinal”.

O investigador referiu: “Uma vez que anteriormente descobrimos que o microbioma intestinal – comunidades de bactérias e outros micróbios que vivem no intestino – pode influenciar o risco de doença hepática, perguntamo-nos o que é que a supressão do ácido gástrico pode ter na progressão da doença hepática crónica, e descobrimos que a ausência de ácido gástrico promove o crescimento da bactéria Enterococcus nos intestinos e a translocação para o fígado, onde exacerbam a inflamação e pioram a doença hepática crónica.”

Está a aumentar a cirrose hepática A cirrose hepática é a décima segunda principal causa de morte em todo o mundo e o número de pessoas com doença hepática crónica está a aumentar rapidamente nos países ocidentais. O aumento é, em parte, devido à crescente prevalência de obesidade, que está associada à doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD, do inglês) e a esteatohepatite, a esteatohepatite não alcoólica (NASH, do inglês) é a forma mais extrema da doença hepática gordurosa não alcoólica, que pode ser considerada com uma das principais causas de cirrose do fígado de causa desconhecida. Aproximadamente metade de todas as mortes associadas à cirrose estão relacionadas com o consumo de álcool.

Os medicamentos inibidores da bomba de protões, que incluem marcas como Omeprazol, Esomeprazol e Lansoprazol ou Prevacid, estão entre os medicamentos mais frequentemente prescritos no mundo, particularmente entre as pessoas com doença hepática crónica. Estes medicamentos são relativamente baratos, como é o caso do Omeprazol, e o consumo está a aumentar.

Estudo em ratos comprova que medicamentos como o Omeprazol aumenta progressão de doença hepática crónica.

Para determinar o efeito da supressão do ácido gástrico na progressão da doença hepática crónica, a equipa de investigadores liderada por Bernd Schnabl observou modelos de ratos que imitam doenças hepáticas alcoólicas, NAFLD e NASH em seres humanos. Em cada um, bloquearam a produção de ácido gástrico por engenharia genética ou com IBP, com recurso a Omeprazol (Prilosec). Os investigadores sequenciaram genes específicos de micróbios recolhidos das fezes dos animais para determinar a composição do microbioma intestinal de cada rato, com ou sem produção de ácido gástrico bloqueado.

Os investigadores descobriram que os ratos com supressão de ácido gástrico desenvolveram alterações em seus microbiomas intestinais. Especificamente, verificaram que estes tinham mais espécies de bactérias Enterococcus. Essa mudança promoveu inflamação hepática e a lesão hepática, aumentando a progressão de todos os três tipos de doença hepática nos ratos, ou seja, a doença hepática induzida pelo álcool, NAFLD e NASH.

Para confirmar que foi o aumento de Enterococcus que agravou a doença hepática crónica, os investigadores também colonizaram ratos com a bactéria intestinal mais frequente o Enterococcus faecalis para imitar o crescimento excessivo de enterococi intestinais que tinham sido observados após a supressão do ácido gástrico. Os investigadores descobriram que o aumento de Enterococcus sozinho era suficiente para induzir esteatose leve e aumentar a doença hepática induzida por álcool em ratos.

A equipa de investigadores também examinou a ligação entre o uso de IBP e a doença hepática alcoólica entre pessoas que abusam de álcool. A análise envolveu uma coorte de 4.830 pacientes com diagnóstico de abuso crónico de álcool – em que 1.024, ou 21%, eram consumidores ativos de IBP, 745, ou 15%, tinham consumido IBP e 3.061 ou 63%, nunca tinham tomado IBP.

Medicamentos inibidores da bomba de protões aumentam a doença hepática.

Os investigadores observaram que a toma de IBP, entre os pacientes, aumentou as concentrações de Enterococcus nas fezes. Além disso, o risco a 10 anos de um diagnóstico de doença hepática alcoólica foi de 20,7% para consumidores ativos de IBP, de 16,1% para consumidores anteriores e 12,4% para os que nunca tinham tomado IBP. Assim, os investigadores verificaram que a taxa de doença hepática nas pessoas com consumo de álcool foi 8,3% maior para os que tomam IBP em comparação com os que nunca tomaram medicamentos que bloqueiam o ácido.

No estudo os investigadores concluíram que existe uma associação entre o consumo de IBP entre pessoas que consomem álcool e o risco de doença hepática. No entanto, os investigadores não excluem a possibilidade de haver outros fatores que não foram identificados e que diferem entre os pacientes que tomam ou não IBP, o que pode confundir a relação entre o uso de IBP e a doença do fígado.

Reduzir o uso de medicamentos inibidores da bomba de protões e optar por perda de peso e redução da ingestão de álcool, cafeína e alimentos gordurosos e picantes.

Embora o estudo tenha dependido de modelos de ratos e de uma base de dados de pacientes, os investigadores consideram ser necessário um ensaio clínico de grande dimensão, aleatório e controlado para mostrar definitivamente a causalidade entre o uso de IBP e o risco da doença hepática crónica em seres humanos, mas Bernd Schnabl indicou que os dados iniciais devem, pelo menos, levar as pessoas a pensar em reduzir o uso dos IBP nos casos em que estes não são uma necessidade.

Existem alternativas de baixo custo, no mercado, disponíveis aos IBP. No entanto, mesmo os antiácidos não baseados em IBP, como é o caso dos bloqueadores Pepto-Bismol, Tums ou H2 como Tagamet e Zantac suprimem o ácido gástrico em menor grau.

Os antiácidos não foram testados no estudo, no entanto Schnabl referiu que qualquer medicamento que suprima o ácido gástrico pode causar alterações nas bactérias intestinais e, portanto, potencialmente afetar a progressão da doença hepática crónica.

Alternativamente, há métodos não-farmacológicos para reduzir a azia e que podem ser uma opção para alguns pacientes, incluem a perda de peso e a redução da ingestão de álcool, cafeína e alimentos gordurosos e picantes.

Bernd Schnabl conclui: “As nossas descobertas indicam que o aumento recente do uso de medicamentos de supressão de ácido gástrico pode ter contribuído para o aumento da incidência da doença hepática crónica” e “embora a obesidade e o consumo de álcool predisponham uma pessoa ao refluxo ácido que requeira medicação antiácida, muitos pacientes com doença hepática crónica tomam medicamentos supressores de ácido gástrico sem a indicação apropriada. Acreditamos que os clínicos devem considerar a retenção de medicamentos que suprimem o ácido gástrico a menos que haja uma forte indicação médica.”