A propósito de doutores

Os “doutores” da nossa terra. Cultivar uma posição social é arte do disfarce entre real poder e vontade de subjugar. Joaquim Jorge aborda, neste seu artigo, o jogo entre o bacoco de uma sociedade transvertida por títulos vazios.

Joaquim Jorge, Biólogo, fundador do Clube dos Pensadores
Joaquim Jorge, Biólogo, fundador do Clube dos Pensadores. Foto: DR

A propósito de sermos um país de “doutores”. Recentemente fui à farmácia e pedi um medicamento. A funcionária a quem me dirigi teve que fazer algo, e disse-me que ia ser atendido pela Dr.ª Maria dos Anjos. Uma menina de 30 anos, que podia ser, minha filha.

Eu ouvi e disse para os meus botões. Ena pá! Vou ser atendido por uma doutora! Mas, como sempre, retorqui e disse-lhe: Certo, e agradeço a amabilidade. Por favor diga-lhe que, o Dr. Joaquim Jorge fica então à espera.

Continuamos com este tipo de tiques, postura sem sentido e ridículas. Ao ver que puxaram pelos galões universitários, fiz o mesmo, para perceberem. Mas, apercebi-me que ficou com ar espantado. Oh meça! Já me chega a mania que são doutores com cursos da carochinha (pós-Bolonha), eu licenciado pré-Bolonha (cinco anos) e ainda tenho que aturar estes dislates.

As pessoas devem usar unicamente o seu nome que é a coisa mais bonita que têm. O seu nome e o seu bom nome são algo que não há licenciatura ou dinheiro que o paguem. Ter reputação e honorabilidade não há dinheiro que compre.

Quem não faz alerde de que é licenciado, os outros pensam ou tentam ignorar que temos um curso. Chegam ao desplante de nos apresentar a outras pessoas utilizando o título académico dessa pessoa e ignorando o nosso: “Joaquim Jorge, apresento-te ao dr. fulano de tal”.

Por vezes, não ter peneiras, ser normal, há tendência para os outros nos colocarem mais para baixo. Enfim! Não sei que vos diga, o ser português tem destas coisas, as relações sociais e humanas são muito complicadas. Quando me acontece uma coisa dessas não tenho pejo em puxar pelos meus galões. O pior é de quem não tem galões, sente-se inferior e menosprezado.

Nunca percebi por que uma pessoa tem que fazer alarde que tem um carro novo, foi viajar, comprou algo, etc. Essas pessoas adoram armar-se, talvez porque têm um complexo de inferioridade com quem estão a falar.

Uma pessoa discreta, com classe, não procede desse modo, nem precisa de dizer o que tem, pode fazê-lo a título de conversa com naturalidade, sem pedantismo e convencimento.

As pessoas simples, discretas, com classe são pessoas com quem me identifico e têm tanto para se armarem e dizerem que são importantes.

Autor: Joaquim Jorge, biólogo, fundador do Clube dos Pensadores