Os portugueses estão deprimidos? Os efeitos da pandemia

Inquérito internacional revela que portugueses estão deprimidos: Jovens e famílias com filhos são os mais afetados. Pessoas que vivem sozinhas tiveram as piores experiências durante a pandemia.

Os portugueses estão deprimidos? Os efeitos da pandemia. Liliana Abreu, investigadora na Universidade de Constança, Alemanha. Foto: DR

Com o objetivo de continuar a avaliar o impacto social e económico da pandemia a nível mundial foi lançado há cerca de seis meses a segunda fase do inquérito mundial denominado “Life with Corona” que, em Portugal, tem como parceiro o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S). Os dados já obtidos mostram que uma parte considerável da população apresenta sintomas ligeiros de depressão e que cerca de 50 % dos inquiridos de Portugal, Argentina, Indonésia, Reino Unido e Estados Unidos, assim como 40% dos alemães, revelam sintomas mais graves de depressão. A geração mais jovem e as famílias com filhos são os mais afetados.

“O “Life with Corona” foi lançado a 23 de março de 2020 e, nesta segunda fase, que começou a 1 de outubro, “tentámos perceber os efeitos psicológicos que a pandemia e as medidas preventivas têm tido sobre as pessoas. Até 4 de março recebemos um total de 21.552 respostas de 136 países e, até ao momento, Portugal é segundo país com mais participações” no estudo, depois da Alemanha, salienta Liliana Abreu, investigadora portuguesa na Universidade de Constança (Alemanha), uma das instituições que lidera o projeto.

Liliana Abreu, que já foi investigadora no i3S e com o qual mantém a colaboração através deste projeto, explica que analisaram os dados relativos a Portugal e verificaram que “50% dos participantes apresentam níveis de depressão moderada”, o que, diz, “é significativo”. Uma das causas identificadas tem a ver com a diminuição dos rendimentos mensais. “Percebemos também, ao contrário do que se pensava, que os mais jovens são mais propensos a apresentar níveis mais elevados de depressão em comparação com os mais velhos, o que expõe o fardo adicional que as gerações mais jovens estão a sofrer”, acrescenta.

“Existem imensos estudos a decorrer sobre a pandemia, termos um bom nível de participação num estudo internacional, demostra o interesse dos portugueses em nos ajudarem a compreender o impacto que esta crise está a ter nas suas vidas”, salienta Liliana Abreu. Os dados que chegaram de Portugal são semelhantes aos obtidos nos restantes países e torna-se evidente que a saúde mental foi fortemente afetada pela pandemia. “Só o facto de ter sintomas da doença pode desencadear problemas de saúde mental. Isto sugere que o medo de estar doente com COVID pode estar a causar níveis mais elevados de stress”, acrescentam os investigadores.

A equipa internacional de investigadores está agora a comparar como estão a reagir aqueles que vivem sozinhos e aqueles que vivem com outros, e também aqueles que vivem com crianças e aqueles que não vivem. Segundo os dados já disponibilizados no site “Life with Coronoa”, as pessoas que vivem sozinhas “emergem como o grupo que teve as piores experiências durante a pandemia. São mais propensos a relatar níveis mais baixos de satisfação de vida do que a média geral da amostra e são também mais propensos a sentir ansiedade ou depressão». Pelo contrário, os indivíduos que vivem com uma outra pessoa “têm, geralmente, lidado melhor com a pandemia e as suas contramedidas. Em comparação com a média da amostra, relatam um maior bem-estar subjetivo, e têm menos probabilidades de sentir depressão, ansiedade ou demonstrarem comportamentos agressivos”.

Quanto às pessoas que vivem com um ou mais adultos e com crianças, em comparação com a média da amostra, “têm os piores indicadores de consumo alimentar. É mais provável que tenham ganho peso, petiscam mais frequentemente e fumam e bebem mais do que qualquer outro grupo. Também apresentam níveis mais elevados de ansiedade e agressividade. É também mais provável que tenham experimentado maior tensões entre os membros das suas famílias”.

O objetivo dos investigadores passa por “gravar” as vozes e as experiências dos cidadãos de todo o mundo durante este período invulgar de pandemia. Sem fins lucrativos, e baseado em métodos académicos rigorosos, o projeto visa populações adultas em todo o mundo e está traduzido em 27 línguas. O inquérito continua em curso pelo menos até finais de 2021, pelo que ainda é possível participar. Maria Rui Correia, investigadora no i3S responsável por disseminar o projeto em território português, apela “a todos os portugueses para responderem ao inquérito, pois, só com a participação dos cidadãos se consegue uma imagem real do que se passa na nossa população neste tempo de pandemia”.

A iniciativa do “Life with Corona” partiu de uma equipa de investigadores internacionais da área das ciências sociais, nomeadamente do Centro de Segurança e Desenvolvimento Internacional (ISDC), na Alemanha, do Instituto Mundial de Investigação em Economia do Desenvolvimento da Universidade das Nações Unidas (UNU-WIDER), na Finlândia, do Instituto Leibniz de Culturas Vegetais e Ornamentais (IGZ), na Alemanha, da Universidade de Constança, na Alemanha, e do Instituto de Estudos de Desenvolvimento (IDS), no Reino Unido. O projeto é liderado por Tilman Brück (ISDC/IGZ), Patrícia Justino (UNU-WIDER), Anke Hoeffler (Universidade de Constança) e Wolfgang Stojetz (ISDC). Para além do i3S, este projeto de Ciência Cidadã contou com a participação de instituições e organizações de vários países. Os investigadores pretendem obter dados relevantes para apoiar respostas socioeconómicas sustentáveis à pandemia causada pelo novo coronavírus.

Liliana Abreu, doutorada em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (2018). Obteve uma bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, tendo como Instituição de Acolhimento o i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde. Durante o seu doutoramento obteve uma Bolsa Fulbright, que lhe permitiu desenvolver parte do seu doutoramento nos EUA, passando pela Universidade de de Massachussets e pela T.H. Chan Harvard School of Public Health. A sua tese de doutoramento centrou-se no estudo da literacia em saúde distribuída de pessoas com doenças crónicas, especificamente, asma e diabetes. Atualmente, é investigadora na Universidade de Constança (desde 2019), Alemanha, no Grupo de Desenvolvimento e Investigação, onde desenvolve investigação na área da epidemiologia social em países em desenvolvimento e dá aulas de Saúde Global.