Bom dia do Lupus Raquel e todos vós, doentes e famílias

No Dia Mundial de Lúpus, o médico Carlos Vasconcelos esclarece, neste seu artigo, sobre novas terapias para combater o Lúpus, bem com a importância dos ensaios clínicos com novos medicamentos.

Carlos Vasconcelos, professor na UP, Unidade de Imunologia Clínica, CHUP, Consulta de doenças autoimunes, CHTS, UMIB, ICBAS
Carlos Vasconcelos, professor na UP, Unidade de Imunologia Clínica, CHUP, Consulta de doenças autoimunes, CHTS, UMIB, ICBAS. Foto: DR

Comemora-se hoje o Dia Mundial de Lúpus. Para a Maria, a Liliana, a Alice, o Ricardo, a Marlene, a Alexandra, a Raquel e tantos outros é mais um dia com a doença. Cada um tem uma história para contar sobre o fardo da doença nas suas vidas, ora mais suave, ora deveras pesado, um lupus, um lupinhos ou um lupão. Carregam-no na casa, no emprego, nas aulas, nas férias, em todo o lado, todo o tempo, e as pessoas da casa às vezes até esquecem, os amigos talvez nem adivinhem e os colegas não sabem e pior….

Maria, andas mais preguiçosa nestes últimos tempos…

Eles não sabem que mesmo quando a doença não aparece na face, é o cansaço, muito cansaço, que só é minorado com uma grande força interior. Os médicos preocupam-se muito, e bem, com os órgãos muito importantes, como o rim, mas até se esquecem, ou fingem que se esquecem, de nos falar do cansaço. Talvez não tenham, ainda, meios para nos acudir. Eu sei que já tive um cansaço enorme e foi vencido com o tratamento que fiz mas, há o outro cansaço, às vezes dizem que é fibromialgia. Vejo que os médicos ficam atrapalhados por não terem nomes para os nossos diferentes cansaços. Ah, se houvesse uma “Clínica do Cansaço” eficaz e honesta…

Tem havido novidades muito importantes na área dos medicamentos para o lúpus Eritematoso Sistémico (LES), Como sabem há um lúpus que se manifesta apenas na pele enquanto o LES pode atingir qualquer órgão. Após a aprovação do primeiro medicamento há meia dúzia de anos, o mesmo foi agora aprovado para o atingimento renal do lúpus, enquanto outro aguarda aprovação e alguns estão em avaliação em ensaios clínicos.

Sabes , hoje o meu médico do lúpus propôs-me para participar num ensaio clínico e eu não sei que faça, disse a Liliana para o seu amigo Carlos, um jovem médico. Trouxe aqui uns papéis para ler mas continuo muito confusa. Fala em muitos riscos e a mim parece que me estão a querer fazer de cobaia, que dizes? Sabes os medicamentos não aparecem do acaso, é preciso muita investigação sobre as alterações no nosso corpo que levam à doença e depois mais investigação para criar moléculas que tentem corrigir o que está mal, depois mais investigação para ver o efeito em animais com doenças parecidas com as nossas e só depois alguns desses fármacos chegam aos ensaios clínicos nos humanos. E todo este processo é vigiado pelas autoridades competentes para minimizar os riscos. É o único caminho para termos novos medicamentos para o lúpus, não se podem inventar do nada. E riscos, Liliana, é o que vivemos todos os dias, não há vida sem riscos: mesmo atravessando na passadeira, com luz verde para o peão é possível, e tem acontecido, sermos atropelados…

Lembro-me uma vez de um doente com um LES e com quem tinha uma grande empatia, condição essencial para o sucesso na luta contra a doença. Um dia abria ele já a porta da consulta para sair quando volta para trás e me pergunta “ doutor quando é que me cura?” Não estava a ser agressivo ou irónico, simplesmente perguntava como se perguntasse sobre a data da próxima consulta, e eu não caí porque estava sentado! Para mim era tão óbvio que não temos cura para o lupus, assim como para a diabetes, a hipertensão e tantas e tantas outras doenças crónicas, que não me passava pela cabeça falar de cura aos meus doentes. Não os podia enganar. Então, atrasando irremediavalmente as consultas seguintes, convidei-o a sentar e expliquei-lhe como se fosse a primeira consulta o que podíamos esperar do lupus e o que eu, a medicina atual, lhe podia oferecer. Não a cura (mas será mesmo que não devemos pensar, ambicionar, sonhar? Não é o sonho que comanda a vida?!), mas o controlo da doença de tal forma que o doente possa viver uma vida normal em qualidade e com a mesma esperança de vida como qualquer outra pessoa sem lupus. É isso que devemos lutar por alcançar, o médico ( e todo o sistema de saúde) e o doente juntos.

Oh pá, dizia o Ricardo para a Maria na associação de doentes com lúpus, isto de ter uma doença de mulheres chateou-me bem quando me disseram pela primeira vez. Mas já estou bem, larguei devagarinho a cortisona e até estou a esquecer-me de tomar o Plaquinol, é amargo que se farta! Olha, olha, cuidado Ricardo, o meu médico costuma dizer que o Plaquinol é amargo mas não fura o estomago como alguns outros bem docinhos. E está sempre a dizer que o Plaquinol é o nosso melhor seguro de saúde, porque acalma o lupus e melhora a nossa qualidade de vida. Só temos de vigiar alguns efeitos que podem acontecer, como nos olhos. Por isso não pares de tomá-lo!

Pois é verdade, alguns doentes lúpicos param a medicação sem indicação do médico e podem arranjar problemas sérios, evitáveis. Lembro a cortisona que não pode ser parada de repente, o Plaquinol e outros. Se não sabe sobre o assunto peça ao médico ou à enfermeira/o da consulta de doenças autoimunes, de reumatologia, ou nefrologia que lhe fale sobre isto e que lhe dê algum folheto sobre o assunto.

Bom dia do lúpus Raquel e todos vós, doentes e famílias.

Autor: Carlos Vasconcelos, Médico da Unidade de Imunologia Clínica do CHUPorto e da consulta de Doenças Autoimunes do CHTS, Professor universitário do ICBAS, Universidade do Porto.