O sistema imunológico é o protetor do corpo. Quando deteta uma potencial ameaça, como uma infeção por bactéria ou por vírus, o sistema imunológico, se saudável, atacará o invasor. Mas o nosso cérebro possui um sistema imunológico próprio e único, composto por células a que chamamos microglia, que desempenham um papel essencial na manutenção da função cerebral.
Investigações anteriores demonstraram que o consumo de álcool sinala uma potencial ameaça ao sistema imunológico do cérebro e ativa a microglia para iniciar funções de reparação. Agora, um novo estudo liderado por Escola de Medicina de Yale e já publicado na revista “Biological Psychiatry” revelou que as mulheres com transtorno por uso de álcool apresentam níveis mais baixos de microglia do que mulheres saudáveis. Uma condição que não ocorre nos homens.
Atualmente verifica-se que o transtorno por uso de álcool está a aumentar entre as mulheres. Uma tendência que é especialmente preocupante, porque as mulheres que bebem correm um maior risco de danos cerebrais, défices cognitivos e uma série de outros efeitos adversos, mesmo consumindo menores quantidades de álcool em comparação com os homens.
Os investigadores envolvidos no novo estudo acreditam que, nas mulheres, a ativação constante da microglia, devido ao excesso de consumo de álcool, pode levar a que as células imunológicas se esgotem. Isso, por sua vez, pode levar à diminuição da função do sistema imunológico e pode ajudar a explicar por que as mulheres são especialmente vulneráveis a riscos à saúde relacionados com o álcool.
“Algumas doses despertam a microglia para verificar se há algum problema”, diz Kelly Cosgrove, especialista em psiquiatria na Escola de Medicina de Yale e autora sénior do estudo. “Mas se fizer isso todos os dias ao longo de anos, ou décadas, elas acabam desistindo. E então pode começar a observar um declínio cognitivo.”
Os investigadores, liderados por Yasmin Zakiniaeiz, da Escola de Medicina de Yale, recrutaram homens e mulheres, principalmente com transtorno por uso de álcool leve ou moderado, além de controlos saudáveis. Todos os participantes foram submetidos a uma tomografia por emissão de positrões para obter imagens da microglia no cérebro, responderam a questionários sobre humor e ansiedade e fizeram um teste para medir a função cognitiva.
Mulheres com transtorno de uso de álcool apresentam níveis reduzidos de microglia
O estudo mostrou que mulheres saudáveis apresentam níveis mais elevados de microglia em comparação com homens saudáveis. Como as mulheres apresentam maior risco de doenças autoimunes, não foi surpresa para Kelly Cosgrove que o sistema imunológico do cérebro feminino também pudesse ser mais ativo. “O cérebro das mulheres saudáveis apresenta níveis mais elevados de microglia, e isso pode ou não estar associado ao fato de que as mulheres têm uma maior propensão a doenças relacionadas ao sistema imunológico”.
Entre indivíduos com transtorno por uso de álcool, os investigadores encontraram um défice de microglia em mulheres em comparação com mulheres saudáveis, mas isso não aconrteceu em homens. Investigações anteriores, em coortes predominantemente masculinos com transtorno por uso de álcool mais grave, no entanto, mostraram esse défice. O estudo atual sugere que as mulheres podem começar a perder microglia em estágios mais precoces, explicou Kelly Cosgrove.
Esse défice no sistema imunológico do cérebro pode ter impactos significativos na saúde. Com base nos questionários dos participantes do estudo com transtorno por uso de álcool, os investigadores descobriram que as mulheres, mas não os homens, apresentaram pior humor e níveis mais elevados de ansiedade.
As mulheres com transtorno, por uso de álcool, também apresentaram níveis mais baixos de função executiva, que se refere às habilidades cognitivas que usamos para realizar tarefas quotidianas, como planeamento ou resolução de problemas. Os investigadores descobriram que níveis mais baixos de microglia, em uma região particular do cérebro conhecida como cerebelo, estavam associados a uma pior função executiva. O cerebelo desempenha um papel vital na função motora, mas também está envolvido em funções cognitivas e emocionais.
“Isso dá-nos uma ideia de como a disfunção do sistema imunológico está associada à função cognitiva”, referiu Kelly Cosgrove, e acrescentou: “Se não tiver um sistema imunológico cerebral saudável, outras partes do cérebro também começarão a deteriorar-se.”
Atualmente, a maioria dos tratamentos disponíveis para o transtorno por uso de álcool foi desenvolvida com base em investigações envolvendo principalmente homens. O novo estudo pode ajudar a subsidiar o desenvolvimento de novas terapias voltadas para mulheres, que atinjam o sistema imunológico do cérebro.
Kelly Cosgrove acrescentou que o estudo evidencia que a melhora de outros fatores conhecidos por estimular o sistema imunológico, como sono, exercícios e alimentação saudável, também podem ajudar as mulheres na recuperação. Embora os investigadores ainda não saibam se o défice de microglia é permanente, no entanto, Kelly Cosgrove considera que a resiliência do cérebro humano a deixa otimista.
Para a investigadora “não dá para se concentrar apenas em dar um medicamento a alguém para alterar a química cerebral”, mas “os médicos necessitam de adotar uma abordagem mais holística.”