Coração da mosca e de humano responde de forma igual ao perigo

O coração da mosca face a um perigo responde de forma igual ao de um humano em presença de perigo. A descoberta por investigadores do Centro Champalimaud revoluciona o atual conhecimento e abre novas linhas de investigação.

Coração da mosca e de humano responde de forma igual ao perigo
Coração da mosca e de humano responde de forma igual ao perigo. Foto: © Rosa Pinto

O coração espelha momentos e condições através de ritmos de batidas diferentes. Uma mudança de ritmo pode ser um sinal de um problema. Isto acontece e é natural com os corações de outros vertebrados, para além seres humanos, como sapos, gatos e antílopes, que reagem da mesma forma quando estão em situação de perigo.

A forma de reação do coração em insetos questiona os investigadores dado que não é esperado que os corações dos insetos tenham, por motivos estruturais, essa característica temperamental. Os investigadores sabem que os nossos corações são controlados por uma complexa rede de nervos, – um sistema nervoso autónomo – que os insetos não têm.

Uma equipa de investigadores do Centro Champalimaud, em Lisboa, investigaram a forma como o coração das moscas responde perante uma ameaça, e os resultados surpreendentes acabam de ser publicados na revista Current Biology.

Os resultados da investigação revelam que os corações das moscas da fruta mudam de ritmo quando estão em perigo, exatamente como os dos humanos. Uma descoberta que surpreendeu os investigadores e coloca em causa o conhecimento sobre a evolução dos comportamentos defensivos, abrindo a necessidade de investigação para desvendar as suas biológicas.

Comportamento do coração da mosca

A equipa do Centro Champalimaud focou-se na estrutura minúscula composta por apenas duas filas de células, que é o coração da mosca. Os investigadores iluminaram as células do coração com moléculas fluorescentes e observaram a sua atividade, através do exoesqueleto transparente da mosca. Quando a mosca andava foi projetado um círculo escuro em expansão numa grande tela, em frente à mosca, simulando uma ameaça que se aproximava.

“Surpreendentemente, tal como acontece nos humanos, a atividade do coração da mosca alterava-se em função da resposta de defesa adotada. Se a mosca decidisse fugir, o coração acelerava, mas se a mosca se imobilizava, o seu coração ficava mais lento”, referiu Natalia Barrios, autora sénior do estudo, citada em comunicado da Fundação Champalimaud.

A investigadora acrescentou: “Esta descoberta demonstra que a relação entre a atividade cardíaca e a resposta ao perigo é um mecanismo evolutivo vantajoso”, e “ a questão é saber se o mecanismo que gera essas respostas na mosca é homólogo ao dos vertebrados ou se há um mecanismo totalmente diferente que ainda precisamos descobrir qual é.”

Imobilidade da mosca perante uma ameaça leva a mais consumo de energia

A equipa revelou que ficou também surpreendida com outras descobertas examinou com mais detalhe a atividade do coração da mosca. “A estrutura do coração da mosca é muito diferente da nossa”, esclareceu Natalia Barrios. O coração da mosca “é composto apenas por um único tubo. E como o corpo da mosca é essencialmente dividido em duas secções separadas (o abdómen, nas costas, e o tórax e a cabeça, à frente), o coração bombeia em duas direções, alternadamente.”

A questão que os investigadores colocaram foi a de saber se a direção do bombeamento também mudava em função da resposta defensiva da mosca. O comunicado da Fundação Champalimaud refere que foi uma grande surpresa as descobertas obtidas que acabaram “por enfraquecer uma outra teoria científica, até aqui amplamente aceite”.

“Descobrimos que em ambos os casos fugir e imobilizar o coração bombeava mais ativamente na direção da parte frontal da mosca”, referiu Natalia Barrios, e acrescentou: “Faz sentido bombear mais nutrientes para a secção frontal, se estiver a fugir. Estando aí localizados o cérebro, as pernas e as asas, é onde se passa toda a ação. Mas não esperávamos ver isso a acontecer quando a mosca se imobiliza.”

Para os investigadores, a imobilização é considerada um comportamento de poupança de energia, que leva à desaceleração do coração. Mas qual o motivo do coração bombear mais para a parte frontal da mosca?

“A nossa suspeita era que, embora estivesse imobilizada, a mosca estava a preparar-se para agir”, explicou Marta A. Moita, investigadora envolvida no estudo, e citada no comunicado. “E que estava a consumir energia para manter esse estado de preparação”.

Para testar a hipótese, a equipa de investigadores do Centro Champalimaud comparou os níveis de açúcar nos corpos das moscas que imobilizaram com os das moscas expostas a um estímulo neutro, e que não exibiam qualquer tipo de comportamento de defesa, e verificaram que os níveis de açúcar das moscas que paralisaram eram significativamente mais baixos.

“Esta descoberta vem refutar a convicção generalizada de que a imobilização é um comportamento passivo de poupança de energia”, esclareceu Marta Moita. “Contrariamente, sugere que a paralisação é um estado de preparação ativa. Agora, a questão é para o que é que a mosca se está a preparar? Quais são as ações que podem ocorrer após a imobilização e como é que o cérebro faz a escolha entre as ações possíveis?”

Novas linhas de investigação

Estas descobertas e as questões que levantam criam novas linhas de investigação que os investigadores pretendem seguir, e uma considerada mais premente consiste em identificar a estrutura neural que, nas moscas, controla as respostas cardíacas ao perigo e decifrar como funciona.

“Como as moscas e os humanos partilham muitos genes, o coração das moscas é habitualmente usado para estudar vários aspetos da cardiologia, principalmente relacionados com doenças”, realça Natália Barrios. “No entanto, pouca atenção foi dada para a forma como o coração da mosca reage ao perigo.”

“Agora que demonstrámos mais esta nova similitude, podemos avançar na investigação de como isto acontece. Eventualmente, esperamos que o conhecimento alcançado na mosca, leve a um entendimento de como o cérebro controla o com portamento em outros animais, incluindo humanos”, conclui a investigadora Marta Moita.