Investigação em demência recorre a ‘Big Data’ e à genética

Investigadores consideram usar abordagens a Big Data e à genética para identificar fatores de risco da demência, indicou Ana Isabel Verdelho da Universidade de Lisboa, no Congresso da Academia Europeia de Neurologia.

Trabalho de Laboratório de investigação
Trabalho de Laboratório de investigação. Foto: DR

A demência é uma doença com diversos sintomas, como perda de memória, perda de capacidade cognitiva e alterações comportamentais que afetam fortemente o quotidiano, com um grande peso a nível social e económico. Existem 47 milhões de pessoas com demência em todo o mundo, e em 2050, serão 131 milhões.

Há uma grande possibilidade da atividade física poder prevenir a demência, uma possibilidade que está a levar os cientistas a explorar esta linha de investigação e a estudar de que forma a isto pode acontecer. Ana Isabel Verdelho, da Universidade de Lisboa, referiu no 4.º Congresso da Academia Europeia de Neurologia, que decorre em Lisboa, que é conhecido “que uma boa condição física também contribui para um cérebro saudável. Além disso, estudos observacionais sugerem que as pessoas que se movimentam muito têm uma melhor capacidade cognitiva.”

A neurologista Ana Isabel Verdelho, que trabalha atualmente num estudo que investiga se a atividade física pode, realmente, prevenir os danos cognitivos causados por distúrbios circulatórios no cérebro, explicou: “A procura de participantes adequados para o estudo é difícil. Não se pode simplesmente concluir que o exercício é a causa da inexistência de demência nas pessoas que têm sido fisicamente ativas durante toda a sua vida”, pois, “podem ter feito outras boas escolhas, como ter cuidado com a sua alimentação ou submeter-se a exames regulares para observação de fatores de risco vasculares.”

Fatores de risco para a demência

Os maiores fatores de risco para a demência são bem conhecidos: “O fator de risco número um é a idade, quanto mais velho, maior a possibilidade de ficar demente”; um segundo fator de risco está relacionado com o nível de educação, dado que “nas pessoas que têm sido mentalmente ativas durante toda a vida, a doença começa mais tarde – o que pode dever-se ao facto de os défices aparecerem mais tarde num cérebro em ‘treino’ constante”; outros fatores de risco cruciais são os vasculares como hipertensão, diabetes, obesidade e colesterol.

“Estes fatores negativos têm especialmente impacto quando já estão presentes numa idade jovem. O problema é que a maioria das pessoas com 30 ou 40 anos não vai ao médico para ver se tem hipertensão. Assim, para prevenir a demência, devemos começar mais cedo com os check-ups”, referiu Ana Isabel Verdelho.

É conhecido que a alimentação desempenha um papel importante, pois “tal como em muitas outras áreas dos cuidados de saúde, a dieta mediterrânica – rica em peixe, vegetais e azeite – tem contribuído para a prevenção da demência.”

Big Data um recurso para a investigação em demência

A investigação em demência tem-se defrontado com o problema de os sintomas da doença permanecem invisíveis durante um longo período de tempo até afetarem a pessoa de forma percetível. “Por isso, é difícil encontrar participantes para estudos aleatórios de prevenção da demência”, esclareceu a investigadora.

Os dados obtidos nos estudos permitem apenas tirar conclusões sobre os grupos de doentes selecionados e não sobre a população em geral, pelo que a investigação espera conseguir progressos com a chamada “abordagem a Big Data”, em que cada vez mais são recolhidas dados associadas e analisadas, num período de tempo cada vez mais curto.

As possibilidades da investigação recorrer a Big Data são promissoras, indicou a investigadora, referindo que “permitiriam melhorar os nossos modelos de evolução da demência, entender melhor os fatores de risco e as causas da doença e diagnosticá-la mais cedo. Além disso, a distribuição de recursos seria otimizada e poderiam ser disponibilizados tratamentos personalizados para doentes com formas de evolução específicas da doença.”

A investigação beneficiaria se fossem incluídos dados dos registos eletrónicos de saúde, dados dos biomarcadores moleculares e dados de mHealth, isto é, dados de dispositivos eletrónicos móveis, como smartphones. A abordagem a Big Data levanta, no entanto, vários problemas técnicos, científicos e de proteção dos dados.

Para Ana Isabel Verdelho “maiores conjuntos de dados não se traduzem necessariamente em registos melhores. A precisão e a análise crítica serão a chave para aproveitar ao máximo estes dados. Supomos que a abordagem a Big Data é um dos caminhos certos para chegar a novos conhecimentos. No entanto, até agora esta abordagem ainda não chegou à prática concreta de prevenção ou tratamento.”

À procura dos genes da demência

A abordagem à genética ou o diagnóstico genético é um outro caminho explorado pela investigação, que “no futuro, iremos beneficiar muito desta abordagem. Contudo, ela ainda não produziu nenhuma terapêutica eficaz para curar a demência ou retardar a sua progressão.”

Até agora conhecem-se variantes de três genes, o UNC5c, ENC1 e TMEM106B, que aumentam a resistência a alterações patológicas, como as que ocorrem na doença de Alzheimer, AVC e outras neuropatologias. O TMEM106B também é conhecido como um gene de proteção no desenvolvimento da demência frontotemporal. Na doença de Alzheimer, responsável por 50 a 75% dos casos de demência, os genes APP, PSEN1, PSEN2 associados à etiologia da doença foram descobertos há 30 anos.

“No entanto, estes genes da doença de Alzheimer também têm mutações cuja patogenicidade é desconhecida. E ainda não há nenhum teste para podermos distinguir a variante genética da doença de Alzheimer das variantes neutras”, afirmou a investigadora da Universidade de Lisboa, e acrescentou: “A resistência do cérebro a alterações patológicas pode depender, de forma decisiva, de fundamentos genéticos. Tendo mais conhecimentos sobre o mecanismo de proteção destes genes, poderemos desenvolver novas terapêuticas para a demência.”