Método inovador de quimioterapia que destrói o cancro

Cientistas na Noruega descobriram método de entrega de medicamentos que destrói as células cancerígenas e protege as saudáveis. O método recorre a nanopartículas, microbolhas e ultrassons para entrega de medicamentos nos tumores.

Sofie Snipstad
Sofie Snipstad, Foto: Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia

O recurso a quimioterapia para tratamento de cancro tem vindo a ajudar muitas pessoas na luta contra a doença e a permitir viverem mais tempo. No entanto, a quimioterapia é um encargo elevado para o corpo. Durante o tratamento, a quimioterapia ataca todas as células do corpo, não apenas as células cancerígenas mas também as saudáveis.

Ao destruir as células saudáveis, a quimioterapia faz com que muitos pacientes sofram efeitos colaterais importantes durante e após o tratamento do cancro.

Atualmente os tratamentos contra o cancro não são especificamente direcionados para as células cancerígenas, sendo que apenas 0,01% dos medicamentos de quimioterapia atingem o tumor e as respetivas células doentes.

Sofie Snipstad, do Departamento de Física da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, esclareceu que tem vindo a trabalhar para descobrir como entregar mais medicamentos de quimioterapia no tumor e proteger as células saudáveis.

A investigadora procedeu a um estudo em ratos de laboratório que permitiu mostrar um novo método que pode curar os doentes de cancro. No estudo, Sofie Snipstad verificou que o ultrassom melhora a entrega e o efeito terapêutico de microbolhas estabilizadas em nanopartículas no excerto de tecido do cancro da mama.

O método de Sofie Snipstad está descrito no estudo publicado na revista ‘Ultrasound in Medicine and Biology’, e que consiste no tratamento de tumores cancerígenos com quimioterapia, mas de forma que uma maior quantidade de medicamento atinja as células cancerígenas ao mesmo tempo que protege as células saudáveis. As experiências foram conduzidas em ratos de laboratório com um tipo de cancro da mama agressivo, ou seja, triplo negativo.

Os investigadores da equipa onde está integrada Sofie Snipstad realizaram muitas experiências laboratoriais antes de realizarem os testes em ratos. Os testes em ratos foram os primeiros testes reais onde foi usado este novo método de administração de quimioterapia. Os investigadores verificaram que os tumores não só desapareram durante o tratamento, como o cancro não ressurgiu nos animais tratados.

Sofie Snipstad referiu: “Os primeiros resultados dos testes em ratos são tão bons e o medicamento faz tão bom trabalho, desde o início, que é muito promissor”.

O medicamento de quimioterapia em vez de ser injetado diretamente na corrente sanguínea e transportado aleatoriamente para as células doentes e para as saudáveis, é encapsulado em nanopartículas.

Quando as nanopartículas que contêm os medicamentos contra o cancro são injetadas na corrente sanguínea, as nanopartículas são mesmo assim muito grandes pelo que permanecem nos vasos sanguíneos na maioria dos tipos de tecidos saudáveis, evitando que a quimioterapia prejudique as células saudáveis. Mas os vasos sanguíneos que alimentam o tumor têm paredes porosas, pelo que as nanopartículas que contêm a quimioterapia passam pelos orifícios e podem penetrar nas células cancerígenas.

“A minha investigação mostra que este método permite entregar 100 vezes mais quimioterapia a um tumor, em comparação com o método a quimioterapia tradicional. E isto é bom”, afirmou Sofie Snipstad.

Mas a investigadora esclareceu que as nanopartículas só podem atingir as células cancerígenas mais próximas dos vasos sanguíneos que levam as nanopartículas carregadas de medicamento, o que significa que as células cancerígenas que estão longe dos vasos sanguíneos que fornecem o tumor não recebem os medicamentos de quimioterapia. Pelo que “para o tratamento ser efetivo, devem ser atingidas todas as partes do tumor. Neste caso, as nanopartículas precisam de ajuda para entregar o medicamento”.

As nanopartículas usadas por Sofie Snipstad e pela sua equipa de investigação foram desenvolvidas no SINTEF, em Trondheim. As partículas são incomuns porque podem formar pequenas bolhas. As nanopartículas estão na superfície das bolhas, e estas bolhas são uma parte importante do tratamento do cancro. Outra parte essencial é o uso de ultrassom.

As bolhas que contêm as nanopartículas carregadas com quimioterapia são injetadas na corrente sanguínea. O ultrassom é então aplicado ao tumor. O ultrassom faz com que as bolhas vibrem e, eventualmente, expludam, e as nanopartículas sejam libertadas. As vibrações também fazem com que os tecidos dos vasos sanguíneos se tornem mais porosos. Isto vai ajudar a empurrar as nanopartículas para o tumor cancerígeno, em vez de apenas alcançarem as células cancerígenas mais próximas dos vasos sanguíneos.

A investigadora esclareceu: “Ao usar ultrassom para transportar nanopartículas carregadas de quimioterapia nos tumores, a nossa investigação em ratos mostrou que podemos fornecer cerca de 250 vezes mais do medicamento ao tumor em comparação com o método de apenas injetar quimioterapia na corrente sanguínea”.

Nos testes em ratos os investigadores procederam à divisão destes animais três grupos:

  • O grupo 1 não recebeu tratamento e o tumor continuou a crescer.
  • O grupo 2 recebeu o tratamento com nanopartículas carregadas de medicamento. O crescimento do tumor parou após algum tempo, mas o tumor não desapareceu.
  • O grupo 3 recebeu o tratamento com nanopartículas, bolhas e ultrassom. Neste grupo, o tumor foi diminuindo até desaparecer. Cem dias após o término do tratamento, os ratos continuavam livres de cancro.

“Para que o tratamento seja efetivo, temos que enganar as células cancerígenas para absorverem as nanopartículas e para que a quimioterapia atinja seu objetivo”, referiu Sofie Snipstad.

Para estudar o processo, os investigadores cultivaram células de cancro em laboratório e examinaram-nas ao microscópio. Neste caso verificaram que as nanopartículas camuflam o fármaco de quimioterapia, permitindo que as células cancerígenas as recebessem.

Mas para que o tratamento funcione, as nanopartículas têm que libertar o medicamento contra o cancro exatamente quando e onde é necessário. “Isto é possível alterando a composição química das nanopartículas para que as propriedades possamos ser adaptadas, incluindo determinar a rapidez com que as nanopartículas explodem. Depois da célula receber a nanopartícula, esta liberta o medicamento dentro da célula. Isso faz com que a célula cancerígena pare de dividir-se, e eventualmente diminuirá e morre.

Catharina Davies dirige o grupo de investigação que inclui Sofie Snipstad, um grupo de investigadores que trabalha em grande parte com nanopartículas, este grupo da Universidade Norueguesa trabalha em estreita colaboração com o SINTEF, uma das maiores organizações de investigação independentes da Europa, e o Hospital St. Olavs em Trondheim.

A Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia realizou os testes em animais e estuda as células cancerígenas, o SINTEF desenvolveu as bolhas que contêm as nanopartículas usadas na investigação. A clínica de cancro e o grupo de ultrassom em St. Olavs contribuiram com o apoio clínico.

Sofie Snipstad referiu que “no projeto há muitas pessoas envolvidas de diferentes origens”, e o “projeto precisa de todas as diferentes disciplinas para que haja progressos”, pois embora os resultados do estudo sejam já muito promissores, ainda será necessário algum tempo antes que o método possa ser usado em seres humanos.

“Pode levar 10 a 20 anos, a partir do momento em que uma descoberta é feita no laboratório, até que esta possa ser usada como tratamento”, esclareceu a investigadora, e acrescentou: “Estamos a trabalhar neste estudo há cerca de seis anos, então ainda temos muito para aprender. Precisamos de entender mais sobre os mecanismos que estão por detrás deste sucesso e temos que fazer muito mais trabalho usando microscópios para entender o que está a acontecer dentro dos tecidos”.

Sofie Snipstad referiu ainda que a descoberta a que o grupo de investigação chegou tem agora outros investigadores ansiosos para testar o método noutros tipos de cancro, porque cada tipo de cancro é diferente.

Esta combinação de bolhas, nanopartículas e ultrassom também abre portas para a possibilidade de tratar doenças cerebrais. O cérebro é protegido por uma barreira hematoencefálica especial, o que dificulta a entrega de medicamentos para o tratamento de doenças cerebrais.

A barreira cerebral dificulta a passagem de substâncias que são fundamentais para o tratamento, o que significa que, para muitas doenças cerebrais, não há qualquer tratamento. “Mas há esperança. Ao usar ultrassom e as bolhas conseguimos fornecer nanopartículas e medicamentos ao cérebro, o que pode ser promissor para o tratamento de cancro e de outras doenças no cérebro”, conclui Sofie Snipstad.