A doença de Alzheimer está associada a agregados proteicos prejudiciais no cérebro. Os agregados β-amilóides (Aβ) chamados placas são a principal patologia. O entresto (sacubitril/valsartan) é um inibidor combinado da neprilisina e bloqueador do recetor da angiotensina, aprovado para o tratamento da insuficiência cardíaca.
A FDA (agência do medicamento norte americana) levantou preocupações de que o tratamento de inibição da neprilisina possa aumentar o risco da doença de Alzheimer, uma vez que a neprilisina é uma das principais enzimas responsáveis pela degradação de Aβ no cérebro.
O estudo PERSPECTIVE mostrou que o tratamento de inibição da neprilisina de 3 anos não estava associado ao aumento do acúmulo de Aβ, determinado por Tomografia por Emissão de Positrões (PET), ou à deterioração cognitiva, o que foi tranquilizador.
Teste menos invasivo
O início de tratamentos modificadores da doença (imunoterapias anti-amilóides) justifica testes diagnósticos exatos para verificar a presença de amiloidose cerebral. Embora métodos de líquido cefalorraquidiano (LCR) e PET aprovados pela FDA estejam disponíveis, testes de triagem menos invasivos e mais acessíveis simplificariam a investigação diagnóstica e o manejo do paciente.
Em estudos de investigação, descobriu-se que um exame de sangue chamado razão Aβ plasmática tem um alto desempenho para detetar amiloidose cerebral, e esse teste é hoje oferecido, nos EUA, para uso clínico em pacientes com comprometimento cognitivo. No entanto, a “alteração” (diferença nos valores plasmáticos de Aβ entre pacientes com doença de Alzheimer e idosos saudáveis) é muito pequena, com apenas cerca de 10-12% de redução na doença de Alzheimer. Isto é provavelmente devido ao fato de que Aβ no sangue vem em grande parte dos tecidos periféricos, o que confunde o sinal cerebral. A pequena alteração indica fraca robustez clínica deste teste, o que levou a um debate sobre se é adequado para uso clínico ou não.
Mudança acentuada em todos os pacientes tratados com entresto
O estudo avaliou o efeito de 52 semanas de tratamento com uma combinação do inibidor da neprilisina sacubitril e do bloqueador do recetor da angiotensina valsartana (sacubitril/valsartana, entresto) vs. valsartana isoladamente em biomarcadores sanguíneos da doença de Alzheimer em um ensaio clínico em 92 pacientes com insuficiência cardíaca. Na semana 26, e persistindo na semana 52, tanto o Aβ42 como o Aβ40 plasmático aumentaram acentuadamente com a inibição da neprilisina. No entanto, o aumento foi mais pronunciado para Aβ40 do que para Aβ42, resultando numa redução de 32-34% no rácio Aβ plasmático, ou seja, tornando os doentes tratados com sacubitril/valsartan falsamente positivos no teste Aβ plasmático. Esta mudança marcante foi encontrada em todos os pacientes do entresto. Não foram encontradas alterações em outros biomarcadores sanguíneos da doença de Alzheimer (pTau217, pTau181, GFAP ou NFL).
Para os investigadores é importante ressaltar que este estudo destaca que um tratamento comumente usado em idosos confunde a proporção plasmática de Aβ, um exame de sangue para doença de Alzheimer. Na verdade, o tratamento com sacubitril/valsartan impactou a proporção plasmática Aβ42/Aβ40 mais de 3 vezes (>30% de redução) mais do que a alteração média observada em pacientes com DA (~10% de redução). Existem mais de 5 milhões de pessoas nos EUA com doença de Alzheimer e aproximadamente o mesmo número com insuficiência cardíaca. É importante ressaltar que cerca de 40% dos pacientes com insuficiência cardíaca também apresentam comprometimento cognitivo, o que os torna potencialmente elegíveis para a realização do exame de sangue Aβ.
Teste pode levar a uma classificação incorreta
Os testes plasmáticos Aβ42/Aβ40 estão disponíveis clinicamente nos EUA. Assim, os investigadores recomendam cautela na interpretação dos resultados em pacientes que recebem sacubitril/valsartana, pois a redução observada na proporção pode levar à classificação incorreta de pacientes como placa Aβ positiva (e, portanto, com doença de Alzheimer). Além disso, do ponto de vista científico, estas descobertas exigem uma reavaliação dos artigos publicados sobre testes Aβ plasmáticos, para ajustar os resultados após a remoção de potenciais falsos positivos (pacientes em tratamento com entresto). Do ponto de vista clínico e por razões éticas, estes resultados também sugerem que os pacientes que realizaram um teste Aβ plasmático na rotina clínica devem ser contactados para esclarecer se estavam em tratamento com entresto no momento da colheita de sangue e, portanto, podem ter tido um falso positivo, no resultado do teste.