Neurologistas reúnem em congresso, em Lisboa, dedicado à Neurogenética

Número de mortes devido a doenças neurológicas aumentou 38% nos últimos 25 anos. Neurologistas em congresso da Academia Europeia de Neurologia, em Lisboa, pedem políticas de cuidados de saúde orientadas para o tratamento.

Terreiro do Paço, Lisboa
Terreiro do Paço, Lisboa, Foto: Rosa Pinto

O número de pessoas que morrem ou ficam incapacitadas, devido a distúrbios cerebrais, aumentou drasticamente nos últimos 25 anos, uma situação a que os principais especialistas em neurologia, que participam no 4.º Congresso da Academia Europeia de Neurologia, que decorre em Lisboa, de 16 a 19 de junho, chamam a atenção para a necessidade de medidas políticas que melhorem os cuidados de saúde.

Günther Deuschl, presidente da Academia Europeia de Neurologia (EAN, sigla do inglês), referiu que “os distúrbios cerebrais como o Acidente Vascular Cerebral (AVC), a demência, as cefaleias, a esclerose múltipla e a doença de Parkinson são as principais causas de incapacidade na Europa e a segunda mais comum causa de morte”.

O especialista acrescentou que “as implicações humanas e económicas”, consequência das doenças neurológicas, “não devem ser apenas algo de preocupação dos investigadores, mas também, e em especial, dos políticos.”

O Estudo Global Burden of Disease, de 2015, desenvolvido por um grupo internacional de investigadores mostrou a prevalência de distúrbios cerebrais, indicando a existência de um total de 250,7 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade (DALY, sigla do inglês), ou seja, anos de vida saudável perdidos devido a doença ou morte prematura, causados por patologias neurológicas, em todo o mundo. No ano abrangido pelo estudo “os distúrbios cerebrais foram responsáveis por 9,4 milhões de mortes”, ou seja, “quase 17% de todas as mortes no ano.”

AVC e demência são as principais causas de morte ou incapacidade

Os investigadores analisaram, no estudo Global Burden of Disease, em que medida os distúrbios cerebrais aumentaram nos últimos 25 anos, ou seja, entre 1990 e 2015, e verificaram que houve um aumento global de 36,7% de mortes atribuíveis a estes distúrbios, embora o número de mortes atribuíveis a AVC ou a doenças neurológicas transmissíveis tenha diminuído significativamente durante o mesmo período.

O estudo também indicou que o número de DALY aumentou de 1990 a 2015, em cerca de 7,4%. “Não há um final à vista para esta tendência, que é causada principalmente pelo crescimento populacional e pelas alterações demográficas. No entanto, os principais impulsionadores destes desenvolvimentos são o AVC e a demência”, explicou Günther Deuschl.

A nível global, o AVC é o distúrbio cerebral responsável pelo maior número de DALY, com 47,3%, e pelo maior número de mortes, com 67,3%. A doença de Alzheimer e outras formas de demência são a quarta maior causa de incapacidade e a segunda causa de morte mais comum. “Os distúrbios cerebrais passaram de um grupo de doenças significativamente subestimado e, muitas vezes, subtratado, para um enorme desafio para uma política social e de saúde”, indicou o presidente da EAN.

EAN pede mais recursos para investigação e prevenção

A Academia Europeia de Neurologia está atualmente a analisar dados detalhados sobre a prevalência de distúrbios cerebrais na Europa, dados que o Presidente eleito da EAN, Franz Fazekas, indicou serem importantes para apresentar às sociedades e aos políticos” para que estes se questionem “se querem investir o dinheiro necessário para prevenir, controlar e curar os distúrbios cerebrais no futuro. Ou se vão gastar o dinheiro de outra forma, pois o número de doentes continua a aumentar.”

A Academia Europeia de Neurologia tem vindo a pedir que sejam adotadas mais medidas preventivas e que sejam gradualmente implementadas estruturas de cuidados preventivos para os principais distúrbios cerebrais.

Para Franz Fazekas as atividades de investigação e algumas medidas de política já estão a começar a dar resultados em várias áreas, como no AVC, em que as taxas subjacentes de mortalidade e incapacidade estão a diminuir constantemente.

“Uma melhor prevenção e a introdução de unidades especializadas em AVC estão a começar produzir efeitos. Mas ainda existem grandes diferenças na Europa e, em muitos casos, num mesmo país”, indica o estudo ‘The Value of Treatment’, realizado pelo Conselho Europeu do Cérebro.

O estudo indica, no entanto, que oito em cada dez pessoas na Europa, com um distúrbio cerebral, continuam sem tratamento ou são tratadas de forma inadequada, embora existam terapêuticas eficazes, e que em muitos casos, os métodos de tratamento estão inadequadamente documentados. Faltam instalações especializadas, perdem-se oportunidades de reabilitação ou é fornecido apoio psicossocial insuficiente aos doentes e às suas famílias.

Franz Fazekas alertou que é necessário garantir a existência de fundos suficientes para apoiar e intensificar projetos de investigação transfronteiriços, que são essenciais para fazer frente ao aumento de distúrbios cerebrais. O especialista acrescentou: “Esperamos que estes factos convençam os políticos e outros decisores a investir no futuro da nossa sociedade e a gerar programas de investigação para reduzir os encargos com os distúrbios neurológicos.”

Neurogenética como tema dominante do 4.º Congresso da EAN

O 4.º Congresso da EAN, em Lisboa, centra o debate, em particular, na Neurogenética, à medida que surgem novos conhecimentos sobre as influências genéticas em numerosos distúrbios cerebrais, e no momento em que a terapêutica genética parecer estar a entrar na prática clínica.

“No congresso, vamos mostrar aquilo que a Neurogenética já consegue alcançar, a direção que a disciplina está a tomar e onde podem estar futuras abordagens e potenciais problemas éticos”, explicou o Presidente da EAN, e acrescentou: “A Neurogenética não é uma solução milagrosa com a chave para resolver todos os problemas, mas ajuda a reclassificar doenças e grupos de doenças, além de prometer abrir novas abordagens de tratamento.”

A Neurogenética surge como uma ferramenta importante para identificar os muitos distúrbios raros que causam sintomas neurológicos e que, muitas vezes e durante muito tempo, não são reconhecidos, deixando os doentes com incertezas sobre o seu estado de saúde. Mas para muitos dos distúrbios raros já existem opções terapêuticas, como a substituição de enzimas, medicamentos direcionados ou uma dieta específica.

Existem certas formas da doença dos pequenos vasos (microangiopatia) que podem ser determinadas através de mutações genéticas específicas, havendo consultas já disponíveis para os doentes.

Nos distúrbios neurológicos mais frequentes, como a epilepsia, a doença de Alzheimer e a doença de Parkinson, existem formas hereditárias que podem ser já detetadas, o que significa que as pessoas possam ser informadas sobre os riscos que podem vir afetar as suas vidas e as dos seus filhos.

A terapêutica de substituição genética está no horizonte e promete curar até distúrbios progressivos que, de outra forma, seriam implacáveis, como a atrofia muscular espinhal e a ataxia de Friedreich. Franz Fazekas conclui: “Gostaríamos de garantir que o maior número possível de pessoas, na Europa, possa beneficiar das descobertas mais recentes. E o nosso congresso é um valioso centro de informações onde os melhores podem aprender com os melhores.”