“Medicamento órfão”: nanoparticula para combate ao cancro desenvolvida em Coimbra

Nanopartícula para combate ao cancro desenvolvida na Universidade de Coimbra recebe estatuto de “medicamento órfão” das agências reguladoras do medicamento europeia e dos EUA, para tratamento de tipo de cancro raro que resulta da exposição a amianto.

“Medicamento órfão”: nanoparticula para combate ao cancro desenvolvida em Coimbra
“Medicamento órfão”: nanoparticula para combate ao cancro desenvolvida em Coimbra. Investigador João Nuno Moreira. Foto: DR

Uma nanopartícula de nova geração de base lipídica para combate ao cancro, PEGASEMP, desenvolvida na Universidade de Coimbra (UC), obteve o estatuto de “medicamento órfão” da Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla inglesa) e da autoridade reguladora americana Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento do mesotelioma maligno, um tipo de cancro raro que resulta da exposição a amianto.

Os “medicamentos órfãos” são fármacos orientados para o diagnóstico ou tratamento de doenças raras graves, apontadas como doenças órfãs, que afetam um reduzido número de pessoas em comparação com a população em geral. Este estatuto da PEGASEMP constitui fator facilitador para a realização de ensaio clínico em doentes.

A atribuição pela EMA e FDA para a nanopartícula vem do resultado de diversos e complexos estudos realizados ao longo de vários anos no Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra (UC), em colaboração com centros de investigação nacionais e estrangeiros. Os estudos foram liderados por João Nuno Moreira, docente e investigador do CNC e da Faculdade de Farmácia da UC.

A UC refere, em comunicado, que os resultados do mais recente trabalho da equipa de investigação acabam de ser publicados na revista científica Nano Today, especializada na divulgação dos trabalhos mais influentes e inovadores em nanociência e tecnologia.

A equipa de João Nuno Moreira desenvolveu e testou um protótipo de produção industrial da tecnologia PEGASEMP em condições GMP (do inglês, Boas Práticas de Fabrico), extensamente caracterizado em termos de propriedades físicas e químicas, que demonstrou a segurança e eficácia antitumoral deste sistema de entrega de medicamentos.

João Nuno Moreira, citado pela UC, indicou que antecipando o potencial uso em humanos, foram realizadas experiências muito detalhadas em diferentes espécies animais, que permitiu avaliar “segurança da nanopartícula em murganhos, ratos e cães de acordo com as normas de desenvolvimento de novos medicamentos para tratamento oncológico” e “a sua segurança foi efetivamente demonstrada”.

A UC esclarece que o produto PEGASEMP pode ser descrito como uma bolha de gordura (de natureza lipídica), que contem no seu interior um composto anticancerígeno, que acede a tumores sólidos através de uma nova porta de entrada, bloqueando o crescimento e a invasão tumoral.

“Neste trabalho foi possível demonstrar em modelo animal de cancro, pela primeira vez, a existência de uma nova porta de entrada que permite o acesso facilitado da nanopartícula desenvolvida a tumores sólidos, difíceis de tratar. Este acesso facilitado traduziu-se na inibição significativa do crescimento tumoral em modelo animal de mesotelioma humano, relativamente ao tratamento de primeira linha usado clinicamente nestes doentes (combinação de quimioterapia convencional)”, referiu o investigador.

Para João Nuno Moreira os resultados obtidos no estudo poderão ter impacto ao “nível de maturidade tecnológica do PEGASEMP”, sendo que “o conjunto de dados alcançados permitiram a obtenção da designação de medicamento órfão para tratamento do mesotelioma, passo importante para o desenvolvimento translacional do PEGASEMP, ou seja, para aplicação clínica”.

O investigador acrescentou que este trabalho mostra que “a entrega de fármacos encapsulados em sistemas de base nanotecnológica, através do direcionamento para a nucleolina e consequentemente à vasculatura tumoral, é um mecanismo inovador e disruptivo, que tenta ir além dos dogmas tradicionais da entrega de fármacos ao nível de tumores sólidos. Como tal, tem o potencial de ser aplicado de forma transversal a outras nanopartículas que não de natureza lipídica, assim como a outros fármacos, e em simultâneo estendido a diferentes tipos de tumores, podendo daí advir um efeito terapêutico associado a melhor segurança”.

Trata-se de “um contributo fundamental rumo à era da terapia personalizada e com impacto direto na qualidade de vida dos doentes” e agora o passo seguinte da investigação irá incidir na “realização de ensaios clínicos”. Trabalhos que a UC indica estarem dependentes da obtenção de fontes de financiamento, e que até agora foi financiado por vários programas europeus, Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Rede Nacional de Espetrometria de Massa, tecnológica TREAT U, SA, farmacêutica Bluepharma e Portugal Ventures, SA.