Antibióticos podem afetar a eficácia do tratamento do cancro

Antibióticos ao reduzirem a microbiota intestinal dificultam o tratamento contra o cancro. Estudo cientifico indica também que os antibióticos são conflituantes entre quimioterapia e imunoterapia, e aconselha o uso cuidadoso dos antibióticos.

Gang Zhou e Locke Bryan investigadores da Augusta University.
Gang Zhou e Locke Bryan investigadores da Augusta University. Foto: Phil Jones/Augusta University

É conhecido que o uso de antibióticos tem um impacto quase imediato na nossa microbiota intestinal e o uso prolongado pode deixar-nos resistentes a medicamentos e vulneráveis ​​a infeções.

Mas agora os cientistas indicam que há também evidências crescentes, laboratoriais, de que com o tratamento cada vez mais complexo e direcionado contra o cancro, é também necessário o uso cuidadoso de antibióticos, pois é necessário garantir que a luta contra as infeções não tenha consequência, não intencional, de dificultar o tratamento do cancro.

Gang Zhou, imunologista do Georgia Cancer Center and the Department of Biochemistry and Molecular Biology at the Medical College of Georgia at Augusta University, nos EUA, referiu que “ qualquer impacto negativo de antibióticos no tratamento do cancro parece voltar ao intestino e se a microbiota é necessária para ajudar a ativar as células T que conduzem a resposta ao tratamento”, e isto “provavelmente depende do tipo de terapia que os médicos estão a dar aos pacientes e com que frequência estão a tomar antibióticos.”

O estudo publicado na revista Oncotarget indica que algumas das primeiras evidências é de que em algumas das mais recentes terapias, o efeito dos antibióticos é definitivamente misturado. As infeções são tipicamente a maior complicação da quimioterapia e os antibióticos são frequentemente prescritos para prevenir e tratar essas infeções.

Locke Bryan, hematologista e oncologista do Georgia Cancer Center, referiu: “Nós damos muitos medicamentos para prevenir infeções”, pois “a contagem de glóbulos brancos pode ser tão baixa que não tem defesa contra bactérias, e uma grande infeção pode ser fatal.”

Numa ‘arena de altas apostas’, onde a quimioterapia faz parte cada vez mais de um ‘coquetel’ com novas imunoterapias, os investigadores Locke Bryan, Gang Zhou e restante equipa envolvida no estudo têm agora mais evidências de que o impacto dos antibióticos sobre a microbiota pode significar que as células T, principais ‘atores’ da resposta imune, são menos efetivas, bem como algumas terapias.

Os investigadores referem que o uso de antibióticos parece ter um impacto misto sobre uma imunoterapia emergente chamada terapia de células T adotivas, na qual as células T de um paciente são alteradas de várias maneiras para melhor combater o cancro.

No estudo os investigadores descobriram que uma das mais recentes terapias de células-T CAR não é afetada por antibióticos, provavelmente porque não é tão dependente do sistema imune, referindo Gang Zhou que “essas células T alteradas podem praticamente agir por conta própria para matar células cancerígenas.”

Com esta abordagem, os médicos recuperam as células T do sangue de um paciente, fazem a engenharia das células para expressar um recetor que deteta tumores, designado recetor de antígeno quimérico, (em inglés Chimeric antigen receptor) ou CAR, e são devolvidas ao paciente. Os pacientes geralmente recebem um regime de quimioterapia de condicionamento, que geralmente inclui o agente comum de ciclofosfamida (CFM), para destruir intencionalmente algumas das células T normais e abrir espaço para as superlutadoras resultantes da engenharia. Este tratamento emergente é frequentemente usado em pacientes onde falharam vários outros tratamentos, incluindo a quimioterapia.

Os investigadores verificaram que mesmo o uso de antibióticos a longo prazo não parece dificultar a eficácia da terapia com células T CAR contra linfoma sistémico num modelo animal, mesmo tendo verificado o impacto de antibióticos na microbiota, os ratos com terapia de células T CAR continuaram a responder bem ao tratamento do cancro.

O estudo conclui que o uso de antibióticos afeta a eficácia do CFM que amplamente utilizado, quando é usado sozinho, como no caso do tratamento do linfoma de células B. Além de matar diretamente as células cancerígenas que se dividem rapidamente, a CFM recebe a atenção e a ajuda das células T endógenas, e os antibióticos reduziram a resposta das células T.

As descobertas em animais de laboratório confirmaram que a microbiota intestinal alterada afeta a capacidade da CFM lutar contra o sarcoma, um cancro raro do nosso tecido conjuntivo. E uma imagem mais ampla, sugere que alguns regimes de quimioterapia dependem das bactérias intestinais para agitar o sistema imunológico para combater o cancro, escreveram os cientistas.

Gang Zhou, referiu que foi observado em modelos animais que quando se destrói a microbiota intestinal, como é feito com antibióticos, “a eficácia da quimioterapia é atenuada”, e acrescentou: “Há também evidências clínicas emergentes que mostram que para quimioterapia baseada em CFM, alguns pacientes que tomam antibióticos por um período de largo de tempo, têm resultados menores no tratamento”.

Para o investigador são necessários estudos em humanos para ver se os antibióticos afetam os resultados da terapia adotiva com células T e para dar aos clínicos e aos pacientes melhores informações sobre a melhor forma de organizar o tratamento.

Os investigadores esclareceram que a microbiota é composta por trilhões de bactérias, vírus e fungos e a maior população reside no intestino. Estas bactérias ajudam a digerir os alimentos e a proteger-nos de outros invasores. Qualquer pessoa que tomou um antibiótico também sabe que os antibióticos podem causar estragos no intestino, provocar diarreia severa e outros desconfortos, pois altera o complemento natural e saudável da microbiota.

Os investigadores lembram também que mesmo sem serem considerados os antibióticos, pode haver interferência conflituante entre quimioterapia e imunoterapia. Dado que quando a quimioterapia dificulta a resposta imune, pode, obviamente, afetar a eficácia de algumas imunoterapias. Pelo que cientistas em conjunto com os clínicos estão a tentar descobrir a melhor forma de combinar as diferentes terapias, para obter uma melhor sinergia entre elas.