SARS-CoV-2 transmite-se de célula para célula fugindo aos anticorpos criados pela vacina

O SARS-CoV-2 está a ser eficiente na transmissão célula para célula. Esta transmissão não é sensível à inibição por anticorpos criados pelas vacinas nem por infeção anterior. Investigação recente mostra que o coronavírus adotou movimentos furtivos ao sistema imunitário.

SARS-CoV-2 transmite-se de célula para célula fugindo aos anticorpos criados pela vacina
SARS-CoV-2 transmite-se de célula para célula fugindo aos anticorpos criados pela vacina. Foto: Rosa Pinto

O coronavírus que causa a COVID-19 adotou alguns movimentos furtivos para se manter vivo e se multiplicar, e um dos segredos do sucesso é esconder-se do sistema imunitário, espalhando-se por transmissão de célula para célula, concluiu estudo já publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

Experiências em cultura de células mostraram que o SARS-CoV-2, que causa o COVID-19, limita a libertação de partículas virais que podem ser inativadas por anticorpos, e em vez de ficar preso dentro das paredes celulares espalha-se entre as células.

“É basicamente uma forma de transmissão subterrânea”, disse o autor principal do estudo Shan-Lu Liu, virologista do Departamento de Biociências Veterinárias e investigador do Centro de Investigação de Retrovírus, da Universidade Estadual de Ohio.

“O SARS-CoV-2 pode transmitir-se de forma eficiente de célula para célula porque essencialmente não há bloqueadores da imunidade do hospedeiro. As células-alvo tornam-se células doadoras, e isso torna-se uma onda de propagação, já que o vírus pode não sair das células”.

Transmissão de célula para célula

A equipa de investigadores de Shan-Lu Liu descobriu outros detalhes reveladores sobre o SARS-CoV-2: a proteína spike por si só permite a transmissão de célula para célula, mas o recetor primário do vírus nas células-alvo – ao qual a proteína se liga – não é uma parte necessária da operação de transmissão de célula para célula. Além disso, os investigadores descobriram que os anticorpos neutralizantes são menos eficazes contra o vírus quando ele se transmite através das células.

Um ponto principal deste estudo foi comparar o SARS-CoV-2 com o coronavírus que esteve por trás do surto de SARS de 2003, conhecido como SARS-CoV. As descobertas ajudam a explicar o motivo pelo qual o primeiro surto levou a taxas de mortalidade muito mais altas do que as atuais e durou apenas oito meses. Estamos prestes a ultrapassar a marca de dois anos da atual pandemia, com a maioria dos casos a ser assintomáticos, referiu o investigador.

A comparação mostrou que o SARS-CoV, que causou a SARS em 2003, é mais eficiente do que o SARS-CoV-2, no que toca à transmissão livre de células, quando partículas virais a flutuar livremente infetam células-alvo ligando-se a um recetor na sua superfície – mas também permanecem vulneráveis ​​a anticorpos produzidos por infeções anteriores e pelas vacinas. O SARS-CoV-2, por outro lado, é mais eficiente na transmissão de célula para célula – o que torna mais difícil a sua neutralização por anticorpos.

As diferentes eficiências dos vírus foram demonstradas pela primeira vez em experiências usando pseudovírus – um núcleo viral não infecioso decorado na superfície com os dois tipos de proteínas dos coronavírus.

“A proteína spike é necessária e suficiente para transmissão de célula para célula do SARS-CoV-2 e do SARS-CoV porque a única diferença nesses pseudovírus eram as proteínas spike”, referiu o investigador.

Olhando mais profundamente para essas diferenças, os investigadores descobriram que o SARS-CoV-2 também é mais capaz do que o SARS-CoV em iniciar a fusão com a membrana de uma célula-alvo, outra etapa fundamental no processo de entrada viral. E essa ação de fusão mais forte foi associada à transmissão avançada do vírus de célula para célula.

Paradoxalmente, o excesso de fusão da membrana celular leva à morte celular e pode realmente interferir na transmissão de célula para célula. Foi outra das conclusões do estudo.

A equipa voltou-se para o papel do recetor ACE2, uma proteína na superfície das células que atua como porta de entrada para o vírus que causa a COVID-19. Os investigadores descobriram, inesperadamente, que as células sem ACE2 ou com baixos níveis de ACE2 nas suas superfícies podem ser penetradas pelo vírus, permitindo uma transmissão robusta de célula para célula.

“Não há correlação perfeita entre a infeção por SARS-CoV-2 e o nível de ACE2”, esclareceu o investigador. “O ACE2 pode ser necessário para a infeção inicial, mas uma vez a infeção estabelecida, o vírus pode não precisar mais do ACE2 porque pode transmitir-se de célula para célula”.

Anticorpos não impedem transmissão

Em testes com amostras de sangue de pacientes com COVID-19 causada pelo vírus SARS-CoV-2, os investigadores determinaram que o vírus poderia evitar uma resposta de anticorpos, através da transmissão de célula para célula, mas que a neutralização do vírus por anticorpos no modo de transmissão livre de células foi eficaz.

“Fomos capazes de confirmar que a transmissão de célula para célula não é sensível à inibição por anticorpos de pacientes com COVID ou de indivíduos vacinados”, disse Shan-Lu Liu. “A resistência da transmissão de célula para célula à neutralização de anticorpos é provavelmente algo que devemos observar à medida que as variantes do SARS-CoV-2 continuam a surgir, incluindo a mais recente, a Ómicron. Nesse sentido, o desenvolvimento de medicamentos antivirais eficazes que visem outras etapas da infeção viral é fundamental.”

Ainda existem muitas incógnitas, incluindo o mecanismo exato que o vírus usa para se transmitir de célula para célula, como isso pode influenciar as respostas dos indivíduos à infeção viral e se a transmissão eficiente de célula para célula contribui ou não para o surgimento e disseminação de novas variantes.