Comissão Europeia multa as empresas Delivery Hero e a Glovo em 329 milhões de euros

Comissão Europeia multa as empresas Delivery Hero e a Glovo em 329 milhões de euros
Comissão Europeia multa as empresas Delivery Hero e a Glovo em 329 milhões de euros. Foto: Rosa Pinto

A Comissão Europeia declarou que as empresas Delivery Hero e a Glovo violaram as regras de concorrência da União Europeia (UE) ao participarem num cartel no sector da entrega de comida online. Uma decisão, que envolve a aplicação de uma multa no valor total de 329 milhões de euros, sendo multa da Delivery Hero de aproximadamente 223 milhões de euros e a da Glovo de 106 milhões de euros.

Ambas as empresas admitiram a participação no cartel e concordaram em resolver o caso. Esta é a primeira vez que a Comissão Europeia multa as empresas por um acordo “no-poach” ou “acordo de não caça furtiva”. São acordos em que as empresas concordam em não contratar ou solicitar colaboradores umas às outras.

Também é a primeira decisão que mostra como as empresas podem utilizar indevidamente uma pequena participação numa empresa rival por motivos anti concorrenciais. Mas o mais importante da decisão é mostrar mais uma vez que as regras da concorrência são importantes para a vida quotidiana dos cidadãos, porque sancionam condutas anti concorrenciais relacionadas com as entregas de refeições por encomenda e entrega de compras de supermercado online.

A Comissão Europeia indica que as regras importam aos cidadãos como as funcionários, ao ajudarem a garantir um mercado de trabalho justo. Um mercado onde os empregadores competem por talento e não conspiram para limitar o número e a qualidade das oportunidades para os trabalhadores.

O atual caso de investigação mostra que as regras da concorrência não servem apenas para manter os preços baixos, mas também protegem a nossa liberdade de escolha, incluindo onde queremos trabalhar.

Desenvolvimento do caso Delivery Hero-Glovo

Em julho de 2018, a Delivery Hero adquiriu uma participação minoritária não controladora na Glovo. Com o passar do tempo, esta participação aumentou. No final, as duas formaram uma empresa e a Glovo tornou-se em julho de 2022 uma subsidiária da Delivery Hero.

A relação criada pela participação minoritária proporcionou às duas empresas um canal para coordenar as suas operações e estratégias.

A investigação demonstrou que as partes utilizaram este canal para alinhar as suas estratégias de negócio e trocar informações comercialmente sensíveis.

Trocaram informações confidenciais que iam além do necessário para um investidor empresarial proteger uma decisão de investimento financeiro.

É claro que possuir uma participação num concorrente não é ilegal em si mesmo. Mas pode ser problemático quando essa participação é utilizada para obter informações e influenciar decisões de formas que podem prejudicar a concorrência.

A investigação mostrou que o cartel incluía três práticas ilegais interligadas. Todas as práticas proibidas pelo artigo 101.º do Tratado.

A primeira prática é um acordo/prática concertada para não contratar ou abordar ativamente os colaboradores uns dos outros (o chamado acordo “no-poach”).

Os acordos originais dos acionistas incluíam cláusulas recíprocas de não contratação para determinados colaboradores. Poucos meses depois, as empresas também chegaram a um acordo geral para não solicitarem ativamente os colaboradores umas às outras. Este abrangia todos os funcionários, mas não os motociclistas.

Estes tipos de acordos “no-poach” são uma forma de cartel de compras. Num tal cartel, as empresas restringem a concorrência por um determinado input, neste caso o input é a mão-de-obra.

Por outras palavras, as empresas deixam de competir diretamente pelos trabalhadores. Isto não é bom para os trabalhadores, pois é o tipo de acordo que suprime os salários e reduz a mobilidade da mão-de-obra.

Da mesma forma, impedem os trabalhadores de se deslocarem para onde possam contribuir mais eficazmente para a economia. Por conseguinte, os acordos “no-poach” também podem ser maus para o sector afetado, pois podem ter um impacto negativo também na produtividade e na inovação.

A segunda infração diz respeito à troca de informações comercialmente sensíveis. A participação minoritária da Delivery Hero na Glovo permitiu o desenvolvimento de uma relação de proximidade entre as equipas executivas das duas empresas.

Estes vínculos foram além do que era exigido pela monitorização do investimento financeiro da Delivery Hero na Glovo. Isto resultou na partilha de documentos, incluindo documentos de estratégia, e na realização de reuniões para partilhar conhecimento.

As informações trocadas incluíam dados sobre os preços atuais e as intenções de preços futuros. Incluía também estratégias comerciais atuais ou futuras, incluindo novas ofertas.

As trocas destas informações comercialmente sensíveis eram bilaterais. Permitiram que as empresas se alinhassem e influenciassem as respetivas condutas no mercado.

Basicamente, em vez de competirem por causa da incerteza em torno dos seus respetivos comportamentos de mercado, as duas empresas procuraram manter-se numa “zona de conforto”, sem incentivos para melhorar a qualidade ou os preços dos seus serviços.

A terceira infração diz respeito à forma como a Delivery Hero e a Glovo dividiram entre si os mercados nacionais de entrega de comida online no Espaço Económico Europeu (“EEE”).

A Delivery Hero utilizou o seu papel de acionista para convencer a Glovo a partilhar mercados no EEE de duas formas: (i) diretamente, utilizando ou ameaçando utilizar os seus direitos de aprovação sobre decisões específicas, e (ii) indiretamente, influenciando outros acionistas da Glovo.

Em particular, a investigação demonstrou que:

As empresas discutiram e acordaram quais delas entrariam em mercados onde nenhuma delas tinha presença. Abstiveram-se também de entrar em mercados nacionais onde o outro estava presente.

Eliminaram as suas sobreposições geográficas vendendo uns aos outros os seus negócios em determinados mercados. Isto significa que, em vários países do EEE, se os consumidores quisessem comparar os produtos e os preços na aplicação Delivery Hero e na aplicação Glovo, não o conseguiriam fazer.

Com base nas ligações entre estes três comportamentos, a Comissão Europeia vê-os como uma infração única e contínua. Um processo que durou 4 anos, entre julho de 2018 e julho de 2022, e cobriu todo o EEE.

A decisão foi de multa a Delivery Hero em aproximadamente 223 milhões de euros e a Glovo em 106 milhões de euros. Ambas as empresas chegaram a acordo na investigação. Isto significa que admitiram a infração e a sua responsabilidade. Ao mesmo tempo, renunciaram a certos direitos processuais, levando a uma decisão mais rápida e ágil. O que levou a que as multas tenham sido reduzidas em 10%.