Combate à discriminação racial e as práticas institucionais negligentes

Estudo sobre a legislação de combate à discriminação racial em Portugal mostra haver práticas institucionais negligentes, que contribuíram para o arquivamento de 80% dos processos instaurados pela Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial.

Combate à discriminação racial e as práticas institucionais negligentes
Combate à discriminação racial e as práticas institucionais negligentes. Investigadora Silvia Rodríguez Maeso. Foto: DR

Estudo do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC) revela que 80% dos processos instaurados pela Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) nas áreas da educação, habitação/vizinhança e forças de segurança, entre 2006 e 2016, ao abrigo das leis 134/99 e 18/2004, foram arquivados.

O estudo liderado pela investigadora Silvia Rodríguez Maeso, “COMBAT – O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação”, fez uma análise integrada inovadora das iniciativas políticas multinível para a integração e disposições legais antidiscriminação, e sua relação com uma diversidade de agentes sociais e políticos. O estudo envolveu investigadores de áreas, como a Sociologia Política, Sociologia da Educação, Sociologia do Direito e Antropologia.

Silvia Rodríguez Maeso, citada pela UC, referiu: “20 anos após a promulgação da lei que proíbe e sanciona a discriminação racial (Lei 134/99 de 28 de agosto) e 15 anos volvidos da transposição da Diretiva Europeia de Igualdade Racial 2000/43/CE (Lei 18/2004 de 11 de maio) para a ordem jurídica portuguesa, considera-se urgente a abertura de um debate público sobre a implementação e efetivação desta legislação. Como tal, o projeto COMBAT teve como um dos seus principais objetivos colmatar um vazio que persiste ao analisar o racismo em Portugal: o papel da legislação no combate à discriminação racial”.

Os investigadores analisaram os processos de contraordenação instaurados pela CICDR (ao abrigo das leis 134/99 e 18/2004), entre 2006 e 2016, e findos até 20 de fevereiro de 2020, em três áreas específicas: educação, habitação/vizinhança, e forças de segurança, num total de 106 processos. Segundo os dados oficiais publicados pela CICDR para o período entre setembro de 2005 e 2015, a análise abarcou 45% da totalidade de processos instaurados pela Comissão nesse período, indicou a UC.

A investigadora, que liderou o estudo, referiu que as conclusões mostram que “80% dos processos foram arquivados, sendo 22% por prescrição, mas este valor atinge os 47% relativamente aos processos arquivados por prescrição na área da habitação/vizinhança. 7,5% dos processos resultaram em condenação (considerando as condenações impugnadas e anuladas em tribunal, seriam 5,8% de processos que resultaram em condenação efetiva)”.

A investigadora referiu que das queixas apresentadas, “34,6% das queixas referem a discriminação com base na origem étnico-racial afrodescendente/origem africana/negro; 17% com base na origem étnico-racial cigana; 44% com base na nacionalidade (principalmente, nacionalidade brasileira, ucraniana, romena e moldava)”.

A análise efetuada no âmbito do estudo tem revelado uma série de elementos que merecem atenção, como sejam: as “práticas institucionais negligentes, que se revelam no número elevado de arquivamento por prescrição (tanto no âmbito da CICDR como das inspeções competentes em cada área); a falta de resposta atempada e os conflitos negativos de competências indicam falhas sistemáticas no acesso à justiça e desproteção dos cidadãos perante os processos burocráticos; e a ausência de desenvolvimento de uma doutrina jurídica e jurisprudência no âmbito da discriminação racial”.

A investigadora, citada pela UC, que conclui que “uma desproteção do/a queixoso/a no processo de instrução, nomeadamente, na apreciação da prova produzida e no apuramento dos factos, sobretudo na área relativa à intervenção das forças de segurança. Por outro lado, identifica-se a persistência de um entendimento limitado por parte dos órgãos competentes do que constituiria “ódio racial” ou discriminação racial, que está presente também na forma como o racismo é traduzido na legislação”.

O estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) através de fundos nacionais e pelo FEDER através do Programa Operacional Competitividade e Inovação COMPETE 2020, indicou a UC.