Despertador molecular acorda os óvulos e explica infertilidade

Óvulos são ativados para ovulação por um despertador molecular. A programação é feita nas fases iniciais da formação dos óvulos, nos cromossomas. Defeitos genéticos no despertador molecular conduzem à infertilidade feminina.

Folículo ovárico da mosca da fruta com os cromossomas marcados a verde e a proteína dKDM5 a vermelho
Folículo ovárico da mosca da fruta com os cromossomas marcados a verde e a proteína dKDM5 a vermelho. © Paulo Navarro-Costa, IGC

No início da vida reprodutora, um ovário contém em média milhares de óvulos imaturos, num estado de repouso que pode durar várias décadas. Mas como é que cada óvulo sabe quando é a altura certa para se preparar para a ovulação? Foi a esta questão que investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), da Universidade do Algarve (UAlgarve) e da University at Albany, nos EUA, vêm agora dar resposta.

Para estudar o mecanismo dos óvulos os investigadores usaram a mosca da fruta (Drosophila melanogaster), dado que “tal como acontece nos seres humanos, os óvulos da mosca da fruta têm um período de repouso durante a meiose, ou seja, durante o processo de divisão celular especializado, necessário para a formação de células reprodutoras saudáveis”, esclarece Paulo Navarro-Costa, investigador do IGC, e primeiro coautor do estudo.

Os investigadores procederam a uma série de experiências genéticas nas moscas da fruta, dado que “este organismo é fácil de manusear para descobrir exatamente como é que o óvulo consegue ativar os seus genes na altura certa”, e verificaram que um ‘relógio despertador molecular’ avisa os óvulos em repouso que chegou a altura de acordarem.

Durante o período de repouso, os óvulos encontram-se num estado parecido com a ‘hibernação’, em que os genes estão desligados. Quando saem do estado de repouso, isto é quando ‘despertam’ precisam de ligar os genes para poderem crescer e prepararem-se para a ovulação.

Defeitos no funcionamento do despertador molecular resultam em problemas na fertilidade feminina.

No estudo, os investigadores concluíram “que a altura em que os genes são ativados é programada diretamente nos cromossomas do óvulo” e “que os óvulos utilizam um processo semelhante a um ‘relógio despertador’ para manterem a noção do tempo durante a meiose”.

“Quando os óvulos começam a ser formados, a proteína dKDM5 modifica os cromossomas de modo a que estes só consigam ativar os seus genes na altura certa. Se este despertador molecular for programado de forma incorreta, por exemplo devido a defeitos na proteína dKDM5, as fêmeas tornam-se inférteis porque os seus óvulos não conseguem completar a meiose”, esclarece Rui Martinho, investigador da UAlgarve e líder da equipa do estudo.

O despertador molecular é programado em fases iniciais da formação dos óvulos, muito antes dos óvulos precisarem de maturar. “No caso dos seres humanos, essas fases iniciais ocorrem antes das mulheres nascerem, quando ainda estão no útero da mãe”, refere Paulo Navarro-Costa.

Estes conhecimentos demonstram que “o período de desenvolvimento pré-natal é assim absolutamente determinante para a futura formação de células reprodutoras saudáveis”, e “ilustram a importância das fases iniciais da vida do óvulo para a fertilidade feminina”.

O estudo foi já publicado na revista científica ‘Nature Communications’ e foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e pelo National Institutes of Health dos EUA.